Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
01 de Julho de 2002 às 11:18

«Resolução de litígios O “tique” da Cláusula Arbitral»

A cláusula arbitral é essencial para essa fase patológica e pode conter soluções processuais significativamente diferentes.

Miguel Esperança Pina, advogado

  • ...
É hoje comum incluir-se uma Cláusula Arbitral nos contratos ou, pelo menos, em contratos de valor elevado. Constitui – poder-se-á afirmar – «um tique». Esta cláusula encontra-se relacionada com a fase patológica do contrato. Isso significa que não tem um conteúdo que esteja a ser negociado pelas partes na fase de celebração do contrato. Nesta fase, os interesses que as preocupam são outros: o prazo, o preço, o modo de pagamento, etc. A fase litigiosa está longe dos seus horizontes.

Contudo, a cláusula arbitral é essencial para essa fase patológica e pode conter soluções processuais significativamente diferentes. O figurino contratual não é único. Aqui, como nos demais aspectos do contrato, vigora o princípio da Autonomia da Vontade. Consoante o acordado, o litígio poderá seguir um procedimento muito parecido com o dos nossos tribunais judiciais, ou um procedimento muito aligeirado, que garanta um núcleo mínimo de direitos de defesa às partes, através do qual poderá ser obtida uma decisão final em escassas semanas.

Não sendo possível abordar aqui os vários cenários processuais, deixam-se dois apontamentos práticos acerca do combate às ineficiências das cláusulas arbitrais.

Desde logo, a formulação da declaração negocial das partes é essencial na determinação da competência do tribunal arbitral. Pois, se o teor desta for «quaisquer litígios decorrentes ou relacionados com o presente contrato», atribuir-se-á ao tribunal uma competência alargada, a qual será menor se o teor da cláusula for «litígios resultantes da interpretação e execução do presente contrato». Ou seja, os cuidados a tomar na formulação desta cláusula começam no que respeita ao âmbito de actuação do tribunal arbitral.

Apesar do abundante recurso às cláusulas arbitrais, é inédita a fixação de um critério quantitativo de atribuição de competência a um tribunal arbitral. Seria o caso de uma cláusula que estipulasse que os eventuais litígios que envolvessem quantias superiores a € 25 mil seriam decididos por um tribunal arbitral. Esta limitação evitaria a constituição, mais ou menos complexa, de um tribunal arbitral para decidir uma questão reconduzível a uma «simples cobrança». Ora, é inquestionável que os tribunais judiciais constituem o meio adequado para resolver esta ordem de questões. Isto porque o arranque processual, no que respeita à constituição do tribunal, não suscita quaisquer problemas ou demoras, os custos são menos elevados e a simplicidade das questões não justifica a intervenção de «técnicos» em que as partes depositam uma confiança especial para a resolução de questões que consideram de especial complexidade. Afinal, não será fácil escolher um árbitro para decidir uma causa simples (e pouco prestigiante) e a parte incumpridora, interessada em criar entraves à resolução do litígio, poderá recusar-se a nomear o respectivo árbitro, a delimitar o objecto do litígio, etc. Isso levará a que o credor tenha que requerer a intervenção dos tribunais judiciais para nomearem os árbitros e para definirem o objecto do litígio.

Por outro lado, as partes podem escolher as regras de processo que serão seguidas, na cláusula arbitral ou em escrito posterior, até à aceitação do primeiro árbitro. Se não realizarem tal escolha, caberá aos árbitros fazê-lo.

Verifica-se uma grande despreocupação das partes quanto a este aspecto processual que, mais tarde, se vem a revelar essencial. São recorrentes as cláusulas que remetem para as regras do Código de Processo Civil (CPC) aplicáveis ao processo ordinário. Realça-se, em primeiro lugar, que os prazos mínimos, fixados no referido CPC, ultrapassam o prazo supletivo de seis meses para ser proferida a decisão arbitral. Em segundo lugar, a rigidez processual destas regras não se afigura adequada à arbitragem através da qual se visa, exactamente, flexibilizar a rigidez e formalismo do processo decisório.

Cada vez mais usuais são as cláusulas compromissórias que elegem as regras processuais da prestigiada ICC International Court of Arbitration, sediada em Paris. O respectivo Regulamento prevê que o processo se regerá pelas regras nele previstas e, no que respeita a aspectos omissos, pelas regras escolhidas pelas partes ou, na falta de escolha, pelas que o Tribunal determinar. Ora, o Regulamento estabelece apenas um «esqueleto» processual, simples e flexível. Pelo que ficam múltiplos aspectos por regulamentar e a simples remissão para as regras da ICC acaba por constituir uma falsa resolução do problema. É, assim, da máxima conveniência que as partes fixem «ab initio» que o Regulamento seja enquadrado pelas regras do processo civil português. Na verdade, são estas as regras com que lidam os advogados portugueses, além de que, com as suas deficiências, correspondem à idiossincrasia nacional. Deste modo, o processo será flexibilizado e célere, «sem se perder o rumo». Ou seja, há que temperar a celeridade (através da remissão para regulamentos, como o da ICC) com a segurança jurídico-processual (através da remissão para o CPC).


Miguel Esperança Pina

Gonçalves Pereira, Castelo Branco & Associados

Comentários para autor e editor para dortigaoramos@gpcb.pt

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio