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Opinião
23 de Junho de 2009 às 12:00

"V" versus "U"

Às duas coisas certas da vida consensuais desde tempos imemoriais - a morte e os impostos - juntou-se ultimamente a recessão. Esta, ao contrário da morte e dos impostos, não é irreversível, e permite interessantes discussões - nas escolas de gestão e não só - sobre a forma da sua reversão.

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Às duas coisas certas da vida consensuais desde tempos imemoriais - a morte e os impostos - juntou-se ultimamente a recessão. Esta, ao contrário da morte e dos impostos, não é irreversível, e permite interessantes discussões - nas escolas de gestão e não só - sobre a forma da sua reversão.

Descontadas discussões menos estruturadas, geradas pelo facto de médico, louco e comentador económico todos terem, aparentemente, um pouco, a questão parece centrar-se em saber se estaremos perante uma recessão em V ou em U.

Se for uma recessão em V, chegará um momento em que a economia bate no fundo para logo recomeçar a crescer com a pujança do CR7 quando corre para fazer a bola beijar as redes do adversário (excepto, claro, se o dito for o Victor Valdês ou o guarda-redes de qualquer opositor da equipa nacional).

Se, pelo contrário, for em U, a economia vai descendo paulatinamente, começará lentamente a cair a taxas cada vez menos assustadoras, e, eventualmente, chegará a um ponto de inflexão a partir do qual recomeçará a crescer com uma lentidão enervante, à semelhança da evidenciada pelos ataques do Derlei nos três ou quatro meses em que andou vestido de papoila saltitante.



Neste dilema do "V" versus "U", tudo aponta, salvo melhor opinião, para o "U". Tal deve-se ao estado do sistema financeiro. A literatura empírica (um muito interessante exemplo recente é o "working paper" 09/100 do FMI, "Financial Stress, Downturns and Recoveries" de Cardarelli, Elekdag e Lall, disponível em http://www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2009/wp09100.pdf ) evidencia que recessões precedidas por um episódio de tensão sobre o sistema financeiro, e particularmente sobre o sistema bancário, são mais longas do que as causadas por um choque exógeno da esfera real (por exemplo, a subida do preço de uma matéria-prima ou uma alteração política que implique subida drástica dos salários), assim como sugere que são tão mais longas quanto maiores as taxa de crescimento do crédito e dos preços dos activos de referência (acções e imobiliário) nos momentos anteriores à manifestação de tensão sobre os sistemas bancário e financeiro. De facto, os sistemas financeiros são tendencialmente pró-cíclicos, isto é, há mais crédito quando os preços dos activos estão a subir, e menos crédito quando estes estão a descer, em ambos os casos reforçando o ritmo da subida, bem como o da descida. "Follow the trend, my friend; the trend is your friend", dizem os banqueiros uns aos outros nas suas amenas cavaqueiras. Nestas condições, quanto maior a dependência de empresas e famílias do crédito, maior a duração de uma recessão cujo ponto de partida radique num enfraquecimento dos balanços dos bancos.


O caso particular da economia portuguesa não foge à regra, mas tem naturalmente algumas particularidades, umas pró-V e outras pró-U. Entre as pró-V estão os factos de a subida do preço dos activos entre nós, particularmente do das casas, ter sido bem menos pronunciada nos bons tempos do que noutros mercados mais dinâmicos e, paradoxalmente, de o sistema financeiro nacional ser muito dependente da banca comercial, cuja dinâmica, ainda que reconhecidamente pró-cíclica, o é, apesar de tudo, menos do que a da banca de investimento. A única pró-U é, infelizmente, muito forte - todos os agentes económicos nacionais (empresas, famílias e Estado) estão, em média, fortemente endividados.

Citando Lord Keynes, num trecho de vocação global escrito em meados do século passado que se adapta como uma luva à realidade portuguesa de hoje: "There is a multitude of real assets in the world which constitutes our capital wealth - buildings, stocks of commodities, goods in the course of manufacture and of transport, and so forth. The nominal owners of these assets, however, have not infrequently borrowed money in order to become possessed of them. To a corresponding extent the actual owners of wealth have claims, not on real assets, but on money". As empresas, as famílias e os governos endividados têm estruturas de passivos cuja capacidade de pagamento é confirmada, ou infirmada, pelo desempenho da economia, e pelas expectativas de lucros que este gera. Ora estas expectativas materializar-se-ão se ocorrer investimento, ou seja, se os passivos de hoje são ou não pontualmente amortizáveis depende do investimento de amanhã. Perante um choque financeiro gerador de um ciclo de aguda, e duradoura, escassez de crédito numa economia onde não há alternativa séria a este, a letra do alfabeto que está no horizonte é o "U".

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