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Rui Alpalhão 26 de Abril de 2011 às 11:32

Expansão, remorso, vergonha

Não obstante as teimosas previsões oficiais em contrário, é consensual que o PIB português voltará a cair em 2011, tal como aconteceu em 2009.

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É a primeira vez neste século que o PIB vai cair duas vezes em três anos, e, para encontrar registo semelhante, há que recuar até aos anos da Segunda Guerra Mundial, quando o PIB caiu em 1940 e 1942.

O PIB da União Europeia a 15 também caiu em 2009, e até mais do que o nacional. Caiu igualmente em todos os anos da Segunda Guerra à excepção de 1939 e 1944. Não consta, no entanto, que vá cair em 2011. Esta falta de solidariedade do PIB europeu prejudica maldosamente a verosimilhança das muitas alegações que vamos ouvir na campanha eleitoral vindoura, responsabilizando a "crise mundial sem precedentes" pelas nossas desgraças.

Este ano assistimos a um crescimento económico saudável pelo globo, a ponto de a subida das taxas directoras do BCE estar no horizonte, ao contrário de um QE3 do outro lado do Atlântico. No entanto, a economia nacional não arranca. Entrou em recessão, saiu timidamente dela, e prepara-se para remeter a recessão de 2009 à categoria de aperitivo de uma contracção mais substancial.

Para fundamentar a sua receita de saída da recessão de 2009 os feitores da política económica portuguesa invocaram, essencialmente, Lord Keynes. Economista de méritos indiscutíveis e influência indubitável, Keynes atribuía ao consumo o papel central na explicação dos ciclos económicos. Em traços largos, a anatomia keynesiana de um ciclo económico pode iniciar-se com uma conjuntura de expansão, na qual as empresas investem e aumentam a produção para satisfazer uma procura em crescendo. Este investimento é criador de emprego, o que estimula o consumo. Chega um momento em que o investimento começa a crescer mais depressa do que a procura. As empresas reagem, reduzindo investimento e, se não operarem com uma legislação laboral opressivamente rígida, emprego. Os capitalistas começam a exibir o que Keynes designou "preferência pela liquidez", e aplicam o seu capital sem risco. A economia entra em recessão. Mais tarde ou mais cedo, o consumo pára de cair e a economia reequilibra-se, eventualmente com elevados custos sociais pelo caminho (que levaram Keynes a proferir a sua célebre, e frequentemente mal interpretada, frase "no longo prazo estaremos todos mortos"). Os pesados custos sociais expectáveis num ajustamento automático e lento levaram Keynes, ao contrário dos economistas, ditos clássicos, que o precederam, a defender a socialização do ciclo económico, por via de vigorosas despesas públicas nas fases baixas do ciclo que substituam o ausente consumo privado, criem emprego e façam a economia pegar de empurrão. Os supostos seguidores de Keynes, nacionais e não só, apressaram-se a corrigir os ensinamentos do mestre e a advogar, e praticar, elevadas despesas públicas quer o ciclo esteja na fase alta, quer esteja na fase baixa.

Outros reputados economistas ofereceram explicações alternativas para os altos e baixos da economia. Schumpeter, com a sua "destruição criativa", preferiu dar o papel principal ao investimento, em detrimento do consumo. O menos conhecido Hyman Minsky, um judeu americano de origem bielorussa que teve Schumpeter como orientador no seu doutoramento em Harvard, preferiu acentuar o papel do sistema bancário. A sua teoria, que, sugestivamente, ficou conhecida como "hipótese da instabilidade financeira", acentua a amplificação das fases de crescimento e de recessão por via do crédito. Quando as economias crescem, alguns bancos, ansiosos por apresentar resultados, expandem levianamente o seu crédito, servindo clientes de qualidade cada vez menor. A ocorrência de um qualquer choque exógeno (a demissão de um governante, um escândalo empresarial, uma falência imprevista, um conflito que perturbe os mercados de matérias primas) altera os estados de espírito e evidencia a desadequação do capital dos bancos relativamente aos riscos de crédito assumidos. Reagindo a esta constatação, os bancos fecham a torneira do crédito, forçando os clientes que antes alimentaram a vender activos para amortizar passivos. A oferta, maciça, destes activos nos respectivos mercados pressiona os preços para baixo, e acentua a fragilidade dos balanços dos bancos, que reagem limitando ainda mais o crédito, assim amplificando a recessão tal e qual como potenciaram a expansão. A recessão instala-se até que um choque exógeno despolete uma nova conjuntura de expansão. Minsky, tal como Keynes, advogou a realização de despesa pública durante as recessões, mas acrescentou a recomendação de estrita supervisão do crédito bancário durante as expansões. Para ele, o sistema bancário seria sempre, numa economia capitalista, fonte de expansão, mas também de futuro remorso (pelos créditos a clientes duvidosos) e de subsequente vergonha (dos clientes que evoluíram de duvidosos para incumpridores).

Os bancos portugueses cumpriram o seu papel, e financiaram quer empresas quer a República na fase alta do ciclo. Infelizmente para nós, a fase "alta" do ciclo português foi bem mais baixa do que as fases homólogas dos ciclos europeu ou americano, talvez porque a selecção dos investimentos privados não tenha sido famosa, ou porque a liberal concessão de crédito à República terá retirado capital ao financiamento de bons investimentos privados. Ainda mais infelizmente para nós, o remorso, e a vergonha dos bancos portugueses para com as suas decisões de crédito passadas também parecem ser diferentes das dos seus congéneres internacionais. Menos expansão, mais remorso, mais vergonha, mais recessão. Desta vez, a explicação está entre nós.


Professor Auxiliar, IBS
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