Opinião
Os donos do dinheiro
A história económica e financeira está cheia de episódios expansionistas alimentados por dívida que acabaram mal, e não há melhor referência para os conhecer do que o monumental "This Time Is Different", dos americanos Carmen Reinhardt e Kenneth Rogoff, professores nas Universidades de Maryland e Harvard respectivamente.
A abundância de desfechos tristes atribuíveis à dívida não significa que se deva preferir cortar o mal pela raiz, isto é, eliminar o recurso a títulos de dívida, mas apenas que não é razoável ignorar os riscos que o uso imoderado de dívida acarreta, para famílias, empresas ou nações. Para estas, seria possível investir mais na cobertura destes riscos, o que poderia ser feito com uma versão jumbo do Fundo Monetário Internacional. Seria, no entanto, uma emenda pior que o soneto. Se o Jumbo Fundo existisse e garantisse uma solução para crises financeiras à maneira do Martini MAN - "anytime, anyplace, anywhere"- o desincentivo ao rigor financeiro seria total, e provocaria, paradoxalmente, um número de crises maior. Os recursos necessários para alimentar o Jumbo Fundo também seriam incomportáveis (pois, ainda que possa não parecer, os fundos do Fundo não caem do céu, antes são aportados pelos países membros). Assim sendo, 100% de protecção contra crises não é nem desejável, nem exequível.
No entanto, a resposta à crise em que vivemos tem, essencialmente, consistido em aumentar os meios à disposição do FMI, ao mesmo tempo que os respectivos critérios de afectação de fundos são flexibilizados, e criar mecanismos análogos na Europa, como o FEEF que foi introduzido aos portugueses por inspiradas declarações televisionadas do Senhor Presidente da República como a sigla que, nos tempos de hoje, deveria substituir a do FMI que inspirou canções de protesto nos anos 80. Muitos terão pensado, então, que o FMI teria sido renomeado, equívoco que terá ficado bem esclarecido quando a chegada da troika mostrou à evidência que o problema devia ser maior do que no passado, pois a solução requeria o FMI de antigamente mais o FEEF, e ainda uns dinheiros da UE para compor o ramalhete. Para grandes males, grandes remédios.
O remédio é grande, mas não é infinito. São €78 mil milhões de dose, para tomar faseadamente e com recomendação para não contar com uma toleranciazinha à moda grega. Com esta dose, a economia é suposta substituir os fundos que em tempos se podiam levantar nos mercados e reduzir o seu nível de endividamento para níveis que afastem a suspeição dos ditos mercados, e permitam retomar o levantamento de fundos nestes, tudo remunerando a dose como prescrito e devolvendo os capitais mutuados. Em suma, a economia é suposta desalavancar-se um bocado, mas não totalmente. O peso do sistema bancário doméstico neste processo é determinante. Os bancos trabalharam a todo o gás para emprestar dinheiro às famílias, às empresas, e à nação, e agora trabalham, com vigor semelhante, para sugar da economia uma boa parte do dinheiro que nela injectaram, em benefício da solidez dos seus balanços. Os "crisis busters" da troika, conhecedores profundos da importância da solidez dos bancos, reservaram sabiamente 15% da dose para injectar capital nos bancos, não vão eles ter menos talento a desalavancar do que tiveram a alavancar.
Percebe-se a ideia, mas poder-se-ia fazer melhor. Senão vejamos: os bancos nacionais irão, nos próximos tempos, necessitar de aproximar o volume de crédito que concedem dos seus capitais. Terão dois canais para tal: emprestar menos e capitalizar-se mais. O primeiro canal fica a cargo dos bancos, o segundo dos accionistas, se puderem e quiserem, e da República se for necessário, com os €12 mil milhões reservados para tal. Infelizmente para os adeptos das soluções simplistas, as necessidades apropriadas de capitais dependem não só do volume de crédito concedido como também do risco deste; e infelizmente, a desalavancagem arrisca-se a asfixiar uns quantos mutuários jeitosos, cujo risco aumentará com a míope aspiração pelo sistema bancário dos meios financeiros essenciais à sua actividade. Mesmo os mutuários que logrem manter-se entre os eleitos dos donos do dinheiro receberão destes fundos mutuados, e não capitais próprios. Assim sendo, o objectivo de contribuir para a estabilidade do sistema bancário será melhor prosseguido se uma, porventura pequena (5%?), parte da dose prescrita pela troika for dedicada a veículos para capitalizar os clientes dos bancos, e não estes. A bem dos donos do dinheiro, da nação e de todos nós.
No entanto, a resposta à crise em que vivemos tem, essencialmente, consistido em aumentar os meios à disposição do FMI, ao mesmo tempo que os respectivos critérios de afectação de fundos são flexibilizados, e criar mecanismos análogos na Europa, como o FEEF que foi introduzido aos portugueses por inspiradas declarações televisionadas do Senhor Presidente da República como a sigla que, nos tempos de hoje, deveria substituir a do FMI que inspirou canções de protesto nos anos 80. Muitos terão pensado, então, que o FMI teria sido renomeado, equívoco que terá ficado bem esclarecido quando a chegada da troika mostrou à evidência que o problema devia ser maior do que no passado, pois a solução requeria o FMI de antigamente mais o FEEF, e ainda uns dinheiros da UE para compor o ramalhete. Para grandes males, grandes remédios.
Percebe-se a ideia, mas poder-se-ia fazer melhor. Senão vejamos: os bancos nacionais irão, nos próximos tempos, necessitar de aproximar o volume de crédito que concedem dos seus capitais. Terão dois canais para tal: emprestar menos e capitalizar-se mais. O primeiro canal fica a cargo dos bancos, o segundo dos accionistas, se puderem e quiserem, e da República se for necessário, com os €12 mil milhões reservados para tal. Infelizmente para os adeptos das soluções simplistas, as necessidades apropriadas de capitais dependem não só do volume de crédito concedido como também do risco deste; e infelizmente, a desalavancagem arrisca-se a asfixiar uns quantos mutuários jeitosos, cujo risco aumentará com a míope aspiração pelo sistema bancário dos meios financeiros essenciais à sua actividade. Mesmo os mutuários que logrem manter-se entre os eleitos dos donos do dinheiro receberão destes fundos mutuados, e não capitais próprios. Assim sendo, o objectivo de contribuir para a estabilidade do sistema bancário será melhor prosseguido se uma, porventura pequena (5%?), parte da dose prescrita pela troika for dedicada a veículos para capitalizar os clientes dos bancos, e não estes. A bem dos donos do dinheiro, da nação e de todos nós.
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