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Rui Alpalhão 24 de Outubro de 2011 às 11:54

Super 100

Com o início da época Outono-Inverno, e não obstante a conjuntura de contenção, vemos expostos nas montras lisboetas belos fatos Super 100, e alguns, poucos, "prix oblige", Super 120 ou 130.

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Com o início da época Outono-Inverno, e não obstante a conjuntura de contenção, vemos expostos nas montras lisboetas belos fatos Super 100, e alguns, poucos, prix oblige , Super 120 ou 130. Os dígitos referem-se à qualidade da lã: os Super 100 são feitos de lã particularmente leve, leveza essa medida em microns. Abaixo de 18,5 microns dá direito à etiqueta Super 100, e depois a classificação varia inversamente aos microns. Um Super 150 é feito com lã de 16 microns, e é caro que se farta. As lãs que merecem estas fantásticas contagens de microns vêm da Austrália, da Tasmânia e da Nova Zelândia, os paraísos na Terra das ovelhas.

Como em Portugal não criamos ovelhas (suficientemente) felizes, não temos, que eu saiba, produção local de Super 100. Talvez por isso, temos previsões consensuais situando o ratio entre a nossa dívida pública e o PIB sempre acima de 100. Para 2015, o mais remoto ano previsto, a Comissão Europeia prevê 104,4, o FMI 112,5 e o Documento de Estratégia Orçamental do Governo 101,8. Perspectivas e hipóteses diferentes, mas total consenso quanto ao Super 100: no final do horizonte de previsão da nossa política económica, e dois anos para lá da data anunciada para o regresso aos mercados, a divida pública portuguesa excederá 100% do PIB.

Ao contrário do que se passa com os fatos, o Super 100 na dívida é uma má peça. Pode parecer que não, já que a insistência dos nossos governantes é com o deficit (sobretudo o de 2011, não vá a Troika inibir-se de enviar o indispensável cheque), mas é de facto uma má peça. Portugal concordou que era uma má peça, quando subscreveu, em 1992, o Tratado de Maastricht, submetendo-se voluntariamente a um tecto de 60% do PIB para a dívida pública como requisito para participar na União Económica e Monetária. O Tratado foi assinado pelo então Primeiro Ministro, Professor Cavaco Silva, ilustre professor de Finanças Públicas a quem não terá repugnado o limite para a dívida pública que o escrito consagrava. O limiar dos 60% era então consensual entre os economistas como um nível acima do qual o risco de insolvência era significativo. Hoje continua a ser consensual entre economistas, mas aparentemente deixou de o ser entre políticos. Entre os países da subscritores do Tratado em 1992, apenas a Dinamarca e o Luxemburgo respeitavam o limite que se autoimpuseram em 2010, segundo o insuspeito Eurostat.

Ostentar divida pública com uma relação elevada com o PIB não é uma questão menor, como muitos parecem crer. É verdade que, como o ex-presidente do Citibank Walter Wriston disse, com a autoridade de quem era geralmente considerado o maior banqueiro comercial da sua época, countries don’t go bust . Com a honrosa excepção da Terra Nova, o único caso registado até hoje de um país democrático que renunciou à autoderminação em 1933 sob o peso insustentável de uma dívida pública de 333% do PIB e de preços deprimidos do peixe, os países com dificuldades financeiras não costumam encerrar e ser entregues a administradores judiciais. Os incumprimentos soberanos são opções de países que avaliam os custos de incumprir como inferiores aos de cumprir, conformando-se com as consequências. Nos anos 80, o ditador romeno Ceausescu propôs-se pagar a dívida externa, sacrificando a população a amenidades várias como rigorosos Invernos sem aquecimento, e concluiu efectivamente a amortização integral da dívida romena pouco antes de ser executado. Os credores de emitentes soberanos dependem mais da vontade destes de pagar do que da respectiva capacidade. Além disso, se a vontade estiver ausente, não há mecanismos similares aos aplicáveis aos incumprimentos empresariais para fazer face à situação. Assim sendo, é crucial para os mutuantes de Estados a atenção aos sinais de aviso de um possível incumprimento, sinais esses que tendem a ser fundados na experiência passada. Ora esta identifica países com uma história de serial default (a Venezuela incumpriu ou reestruturou a sua dívida nove vezes nos séculos XIX e XX, o México oito, o Brasil e a Colômbia sete) e níveis de endividamento a partir dos quais o incumprimento é mais frequente. Os dois indicadores não são independentes: a um país sem história de incumprimento tende a ser tolerado um nível de dívida mais alto relativamente ao seu produto. Ora Portugal incumpriu cinco vezes no século XIX (em 1837, 1841, 1845, 1852 e 1890), apesar de tudo melhor do que os gregos, que tendo incumprindo apenas quatro vezes no século XIX já reincidiram no século XX, em 1932, quando instituíram uma moratória que durou até 1964. Incidentalmente, o primeiro-ministro grego em 1932 dava pelo nome de Venizelos, tal e qual como o actual Ministro das Finanças. Aparentemente, é uma mera coincidência. Como, por outro lado, os sábios redactores do Tratado de Maastricht não escolheram arbitrariamente o limite de 60% do PIB para a dívida pública, tudo ponderado, o Super 100 não parece adequado sequer para esta estação Outono-Inverno, muito menos para 2015.

Professor Associado, IBS


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