Opinião
Quem não tem dinheiro, não tem vícios
«Fenómenos de bizarria política como o de Avelino Ferreira Torres no Marco, ou de Fátima Felgueiras em Felgueiras ou ainda do Major Valentim Loureiro de Gondomar seriam menos prováveis em universos eleitorais de maior dimensão e menos «paroquiais».
O concorrente deste jornal dizia, na sua edição de ontem, que as autarquias portuguesas devem mais de 870 milhões aos seus fornecedores. O mesmo periódico acentuava que, segundo o boletim de Agosto do Banco de Portugal, as dívidas das autarquias junto da banca subiram 228% no primeiro semestre deste ano face ao mesmo período do ano anterior. No total, as dívidas da Administração Regional e Local fixaram-se em 196 milhões de euros nos seis primeiros meses de 2005, mais 58% que no período homólogo. Em ano de eleições autárquicas, é bom pegar nestes números para questionar de que falamos quando falamos de poder autárquico. Na verdade, muito do desenvolvimento social e económico que o País verificou nos últimos 30 anos resulta do empenho dos autarcas locais que, com maior ou menor arte e engenho, conseguiram levar para a frente projectos de expansão e melhoria das condições de vida das respectivas populações. Portugal não seria o mesmo sem o esforço e a visão desta gente, muitas vezes com empenho e abnegação pessoal, que puxa pelas suas freguesias e pelos seus concelhos.
Mas e como não se fazem omoletas sem ovos, tudo isto consumiu recursos e permitiu alguma confusão no exercício de alguns poderes autárquicos. Mais explícito: quando há necessidade de racionalizar os custos/benefícios do Estado português torna-se necessário reponderar o actual mapa do poder local. Não temos freguesias a mais? Não temos câmaras municipais a mais? Não faz sentido, ao invés de ir criando mais e mais freguesias e mais e mais municípios, começar a encolher esta miríade de estruturas locais, provocando efeitos de escala e maximizando os benefícios do poder local? Menos juntas, melhores juntas. Menos câmaras, melhores câmaras. Menos custos de «back office», mais condições para contratar melhores técnicos, projectar planos mais integrados e qualificados de desenvolvimento a todos os níveis. É exactamente a mesma lógica das fusões empresariais: uma companhia grande é sempre, potencialmente, melhor que duas ou três companhias pequenas. «Small is beautiful», disse o outro. Mas que, provavelmente, não conhecia um défice orçamental de 6% e uma cascata de custos multiplicados e injustificados, entre assessores, assessorias, mordomos e mordomias.
Mas nesta questão autárquica, há ainda outro ponto importante: os pequenos municípios tendem a feudalizar os seus dirigentes, no pior sentido do caciquismo local. É mais fácil a emergência de déspotas locais em diminutas juntas ou câmaras municipais do que em unidades políticas de maior dimensão. Fenómenos de bizarria política como o de Avelino Ferreira Torres no Marco, ou de Fátima Felgueiras em Felgueiras ou ainda do Major Valentim Loureiro de Gondomar seriam menos prováveis em universos eleitorais de maior dimensão e menos «paroquiais». Porque se corre, com gravidade, o risco das próximas eleições autárquicas se transformarem num plebiscito local a uma série de candidaturas independentes, que abrem a porta a um populismo local, de consequências nefastas. Imagine-se o País governado localmente por uma série de pequenos «regentes» desbragados, sem qualquer obediência partidária e sem qualquer sentido do interesse público. Quando o presidente da Câmara está num partido, pelo menos o partido controla minimamente a sua prestação, de forma a evitar que uma má prestação do seu autarca prejudique a imagem de todo o partido. Se a moda pega, arriscamo-nos a um alastrar desta onda de independentes caciqueiros, que num instante vão converter as finanças locais num pantanal ainda maior do que o actual e que são insensíveis e incólumes às regras e ao controlo dos aparelhos partidários. Bem sabemos que aparelho partidário não é uma coisa boa, mas pior ainda é um «maluco» à solta e sem aparelho partidário por detrás. E, portanto, é importante concentrar o poder local em unidades geográficas maiores - num processo casuisticamente decidido - e reflectir sobre os resultados das próximas autárquicas. Poder local para os independentes? Pois talvez, mas que independentes e com que resultados práticos? Como diz o ditado, quem não tem dinheiro, não tem vícios.