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08 de Março de 2006 às 13:59

Uma vaquinha leiteira

A PT será, daqui a 12 meses, uma coisa, mais pequena, bem mais eficiente e bem mais concentrada no dividendo que pode pagar aos seus accionistas. Uma vaquinha leiteira.

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A OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom terá um impacto, perverso, sobre o mercado português de telecomunicações. Qualquer que seja o resultado final desta «novela», a futura administração da PT estará concentrada em maximizar «cash» para os seus accionistas, quaisquer que eles sejam, em detrimento de qualquer projecto de investimento em novas tecnologias ou novos mercados. Uma vez que a PT é quem tem, em Portugal, arcaboiço financeiro para investir em projectos «estruturantes» na área de telecomunicações e tecnologias, daqui para a frente não haverá ninguém para atirar euros para coisas inovadoras, mesmo que de sucesso duvidoso, e ajudar a modernização do panorama tecnológico nacional (e é assim mesmo que se faz a inovação tecnológica). E isso é mau. A PT será convertida numa grande «cash cow», com o objectivo de sugar todo o «cash» possível e imaginável para os seus accionistas. A Sonaecom vai desaparecer e a Oni não tem accionistas nem saúde financeira para grandes malabarismos. Sobra João Pereira Coutinho, que ainda tem de provar se o TMax funciona tecnológica e economicamente. Mas, do ponto de vista do interesse geral - no sentido do interesse colectivo - acabou aquela PT que era uma das empresas bandeira dos portugueses. É verdade que era também uma empresa cheia de ineficiência, de prateleiras douradas, de investimentos sem retorno, de gente a ganhar salários milionários à custa de sabe-se lá o que, mas era a Portugal Telecom. Daqui a 12 meses será uma coisa, mais pequena, bem mais eficiente e bem mais concentrada no dividendo que pode pagar aos seus accionistas. Uma vaquinha leiteira.

No caso do grupo Sonae ganhar a sua oferta de aquisição, a prioridade de Belmiro de Azevedo será o de amortizar parte da dívida contraída para o efeito, tanto pela venda de activos que integram agora a PT (Brasil, rede fixa, rede de cabo?), como através da maximização do «cash» a puxar da PT para a Sonae, como resultado de uma melhor exploração operacional, mas também de um maior endividamento da telecom. Também se pode dar o caso de um fundo, ou um consórcio de fundos internacionais de «private equity», oferecerem mais pela PT, ganhando assim o controlo sobre a empresa. À semelhança do que aconteceu com a dinamarquesa TDC, que foi engolida pela Apex Partners, num movimento de 12 mil milhões de dólares. Neste cenário, a lapidação patrimonial da PT será ainda mais vigorosa - os fundos de «private equity» são francamente comparáveis a um bando de salteadores no «faroeste». Por ultimo, até pode acontecer que a actual administração da PT consiga convencer os seus accionistas a não venderem as suas acções, como contrapartida do novo plano de remuneração accionista que foi anunciado e que prevê cerca de 600 milhões de contos para pagar aos accionistas. Ora, de onde virá este dinheiro? Mais endividamento e menos investimento da PT.

Mas, e em qualquer dos cenários, sabemos que a PT será retalhada aos bocados, para vender negócios que ajudem a pagar o investimento que agora será efectuado, ficará mais endividada e mudará a sua orientação de longo-prazo - estará menos orientada para o investimento em novas tecnologias ou novos mercados e mais focada em gerar «cash», sempre mais «cash», que pague aos seus accionistas o «esforço» que agora vão fazer.

Há, aqui, um natural conflito entre as «leis» do mercado e aquilo que podemos chamar de interesse colectivo. É bom que o mercado funcione como deve funcionar, sem intervenção ou paternalismo dos poderes públicos. Aos accionistas, o que é dos accionistas, a César o que é de César. Mas há muitos portugueses que, não sendo accionistas da PT, beneficiam da sua capacidade de levantar redes de telecomunicações, lançar redes de cabo, exportar «know-how» e conhecimento nacional para o estrangeiro. Estes «valores» - porque estas coisas também têm valor - devem ser reconhecidos e ponderados por esses poderes. Uma PT vaquinha leiteira pode ser efectivamente uma excelente forma de valorizar os activos e as acções da Sonae ou de um qualquer fundo de «private equity». Mas para a generalidade dos portugueses, é muito mais importante que haja um grande grupo empresarial que, mesmo que cheio de idiossincrasias, abra caminhos e espaços para o desenvolvimento de Portugal e dos portugueses no mundo. É bom que a «golden share» que o Governo quer manter na PT seja utilizada, com parcimónia, mas com alguma visão sobre tudo isto. Sócrates, que na Finlândia se extasiou com o sucesso da Nokia, tem de saber temperar o funcionamento normal e salutar do mercado com o interesse global de todos nós. Há mais vida para além das grandes operações financeiras.

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