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José Diogo Madeira jdmadeira@netcabo.pt 01 de Março de 2006 às 13:59

Porque o capital já não domina o trabalho

A verdadeira revolução foi operada num plano que Marx não podia prever atempadamente: o livre acesso à informação. Quando hoje, qualquer estudante acede à Internet – o que pode ser feito quase gratuitamente em casa ou de borla nas escolas e nas universida

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Está fácil de ver que, nas últimas semanas, os grandes capitalistas não estiveram de férias. Amorim, Belmiro, Queirós Pereira, Berardo – só para citar os mais famosos – andam frenéticos, anunciando aquisições ou investimentos como nunca antes se tinham visto em Portugal, pelo menos em dimensão. Embora a economia continue a dar sinais de anemia, os grandes grupos económicos parecem mais entusiasmados do que nunca. O que será que eles estão a ver na economia portuguesa que a chamada classe média – o que quer que seja que este chavão queira dizer – não está ainda a ver? Porque andam eles a comprar tanta empresa e a anunciar investimentos, até industriais, tão avultados quando a generalidade dos portugueses continua sem razões para grande optimismo?

Uma das poucas coisas de jeito que se aprende nos cursos de Economia é que os ciclos económicos existem e demoram, sensivelmente, dez anos. Bem nos lembramos que o último destes picos aconteceu no começo desta década, coincidindo com a euforia à volta dos negócios da Internet. Depois de 2000, começou o descalabro que em Portugal ficou ainda mais prejudicado pelo nosso crónico défice orçamental. Mas, da mesma forma, o reequilíbrio funcionou – como teria de ser – e há alguns meses que as coisas tendem a melhorar. Presumo que um novo pico do ciclo será alcançado dentro de três ou quatro anos, para que depois a história se repita e venham novos anos de aperto. É e será sempre assim.

Mas estas coisas são mais pressentidas por quem anda diariamente pelo mundo dos negócios – gestores, empreendedores e até jornalistas económicos. O comum dos cidadãos não percebe nada disto e, em boa verdade, nem pode perceber. Uma das condições para que o ciclo dos mercados funcione é que os seus agentes não sejam reflexivos, ou seja, não tenham real consciência do que se passa à sua volta e não reajam todos da mesma maneira e ao mesmo tempo. Se todos soubessem, hoje, que dentro de três ou quatro anos a economia atingirá um pico, então a Bolsa de Lisboa tocaria num máximo histórico dentro de poucos dias para, 24 horas depois, iniciar um inevitável «crash». É natural e bom que esta «consciência» económica seja disseminada vagarosamente pelos agentes económicos, de maneira a que o ciclo siga o seu lento caminho habitual.

No entanto, quem tem mais formação económica sabe mais sobre o tema e portanto toma as suas posições mais depressa. Os que hoje estão a comprar é porque têm expectativas de estarem a comprar ainda a bom preço, para ganharem mais no futuro. Desta forma, são os mais informados que estão a tomar posições no mercado – anunciando grandes negócios – muito antes das famílias perceberem que as condições gerais da economia estão a melhorar.

Se pudéssemos continuar a dividir o mundo entre o grande capital e uma massa de proletariados indiferenciados, rapidamente seríamos tentados a ver de um lado um punhado de gente «má», que se aproveita da ignorância dos trabalhadores «oprimidos» para multiplicar as suas fortunas. Uma das coisas que mais mudou no mundo, desde que em meados do século XIX alguém escreveu sobre o tema, foi a disponibilidade da informação. Em 1867, data da primeira edição de «O Capital», muito pouca gente controlava muito dinheiro e muita informação. Em 2006, muita gente controla ainda muito dinheiro, mas a informação – a verdadeira matéria-prima para quem quer ganhar dinheiro – transformou-se numa coisa abundante e barata. A verdadeira revolução foi operada num plano que Marx não podia prever atempadamente: o livre acesso à informação. Quando, hoje, qualquer estudante acede à Internet – o que pode ser feito quase gratuitamente em casa ou de borla nas escolas e nas universidades –, ele tem nas suas mãos o poder verdadeiramente revolucionário de mudar o mundo. Pelo menos, o seu mundo. Quem quiser estudar ciências, quem optar por humanidades, quem procurar técnicas de belas-artes, encontra. E quem procurar informação sobre negócios, mercados, cotações de matérias-primas e activos financeiros também encontra e abundantemente. Ao contrário do que temíamos no tempo da Revolução Industrial, o mundo já não se organiza como um bando de imperialistas exploradores de um proletariado ignorante.

Agora é mais como um mundo de oportunidades, para que cada um encontre nele o seu próprio espaço. Nunca, como agora, cada um vale pelo seu próprio mérito. Nunca, como agora, houve tantas oportunidades para tanta gente. Nunca, como agora, cada um é responsável pelo seu próprio destino. É isto que faz a verdadeira diferença entre todos nós - uns sonham, outros podem e ainda outros arriscam a fazer. Não tem que ver com a quantidade de dinheiro que temos nos bolsos, mas com a vontade que temos para determinar o que fazemos em cada momento. O resto é lamúria.

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