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22 de Fevereiro de 2006 às 14:03

It is a dirty job, but somebody has got to do it

Joe Berardo surgiu, nos últimos dias, em força nas notícias. A propósito da posição accionista que tomou na Sonae, a propósito da privatização da TAP, a propósito das negociações para colocar a sua colecção de arte no Centro Cultural de Belém e ainda numa

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Joe Berardo surgiu, nos últimos dias, em força nas notícias. A propósito da posição accionista que tomou na Sonae, a propósito da privatização da TAP, a propósito das negociações para colocar a sua colecção de arte no Centro Cultural de Belém e ainda numa reveladora entrevista à RTP.

Aparece como uma figura simpática: um homem de 60 anos, sempre vestido de preto, bom conversador, com uma filosofia de vida simples e encantadora. Mas, no imaginário da opinião pública, Berardo está associado à imagem do grande especulador bolsista. Ou como se dizia há umas décadas atrás, de um grande e perigoso capitalista.

Afinal, foi o próprio que disse uma vez ao "Expresso" que "investir na Bolsa só permite aos ricos ficarem mais ricos". E Berardo vive, efectivamente, de comprar e vender participações em empresas. Pelo meio, reestrutura, negoceia, racionaliza custos, despede gente. Por isso, ele encarna o papel do verdadeiro especulador, o homem que não sabendo fazer nada em especial, intui o mundo para converter oportunidades em grandes negócios.

Ao contrário do que acontecia há 30 anos, quando havia Champalimauds, Mellos e Espírito Santos, o imaginário português tem hoje um défice de personagens deste tipo. Quais são hoje as grandes figuras, no activo, do capitalismo português? Belmiro de Azevedo e pouco mais. Jardim Gonçalves, Artur Santos Silva e Alexandre Soares dos Santos reformaram-se e a nova geração ainda não se consolidou.

O povo, aquele que não lê este jornal, não conhece outros exemplos. Conhecem a Cinha Jardim, o Zé Castelo Branco e o Alexandre Frota, mas estão reduzidos a estes medíocres parasitas do "social". Não há, em Portugal, uma cultura do mérito. Mas menos ainda há modelos inspiradores para que mais gente queira tomar riscos.

Os portugueses continuam instalados num caldo de comodismo, temperado pelo futebol, pelas telenovelas e pelos pastorinhos de Fá_tima. E depois o que interessa é sacar um bom salário, num qualquer sítio, de preferência empresa pública. Poucos são os que perceberam que o tempo dos salários – e especialmente o tempo dos bons salários – acabou, por pressão da globalização do mundo e do conhecimento. Mas menos ainda são aqueles que têm coragem para largar um emprego ou mesmo uma situação de desemprego para construírem alguma coisa deles.

Até Berardo reconhece que o modelo capitalista é perverso – porque produz a riqueza de uns quantos à custa do empobrecimento, quanto mais não seja cultural e de espírito, de muitos. Mas o mais chocante é que mesmo os "explorados", aqueles que trabalham por conta de outrem e vivem na rotina do casa-trabalho-casa, preferem continuar assim a enveredar pelo seu próprio caminho.

A emergência mediática de figuras como Berardo permite que mais gente acalente a esperança de criar qualquer coisa sua. O próprio dizia, nessa entrevista na RTP, que se agora falava mais nos seus investimentos, era para ajudar mais gente a ganhar dinheiro na Bolsa (fica sempre a dúvida se a revelação de onde se anda a meter o dinheiro não serve, em primeiro instância, para fazer subir os preços desses mesmos títulos). Mas pode-se reconhecer que há neste momento um ambiente muito favorável ao investimento bolsista e ao investimento em geral. A habilidade mediática de José Sócrates tem ajudado à inversão das expectativas sobre o ciclo económico.

Não sabemos ainda se o investimento privado está efectivamente a crescer muito, mas já sabemos que os agentes económicos estão francamente mais optimistas. Ou seja, o ambiente mudou de um cenário cinzento para uma coloração bem mais agradável. Isto significa que está mais fácil para quem quer recomeçar a sua vida noutra dimensão, liderando novas empresas.

É de mais Belmiros e Berardos que Portugal precisa – são necessários como elementos de criação empresarial e para o reequilíbrio do sistema económico. São precisos para criarem empresas, lançarem OPA, dar a volta a empresas mal geridas e até para terem a coragem necessária para fecharem companhias sem futuro.

É esta dinâmica, que implica muita coisa boa e muita coisa má, que implica a criação de muito emprego e a destruição de muitos postos de trabalho, que permite ao mundo gerir num sentido mais livre, em que mais gente tem acesso a mais coisas e especialmente ao conhecimento necessário para gerar ainda mais coisas. Sem estes empreendedores, estes "raiders", esta gente simultaneamente criadora e facínora, o mundo estaria mais pobre. E o País precisa que mais desta gente salte para as primeiras páginas dos jornais e para os horários nobres da televisão.

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