Opinião
Golpadas
Quando na terça-feira, ontem, surgiu o rumor de que o BPI estaria a ponderar uma contra-OPA sobre o Millennium, tornou-se mais cara, logo mais improvável, uma nova oferta sobre o Millennium e mais barata, logo mais provável, o sucesso da oferta sobre o BP
Já se sabe que estes rumores nunca têm paternidade. Mas na lógica de que o crime interessa especialmente aos seus directos beneficiários, até apetece perguntar quem lançou, no mercado, este boato da contra-OPA do BPI ao Millennium?
Debaixo deste ambiente frenético de OPA e contra-OPA em que vivemos, é-me também lícito entrar num registo especulativo (esperemos que a CMVM não passe os olhos pelas linhas que se seguem?). É assim: será que a Sonae quer verdadeiramente comprar a Portugal Telecom? Durante anos, a Sonae lutou pela «libertação» da TV Cabo do universo PT e também pela separação das ofertas grossista e retalhista do negócio de telefonia fixa da mesma Portugal Telecom. Depois de ter jogado a carta da OPA, nada ficará como dantes no panorama português das telecomunicações. A Portugal Telecom, por iniciativa própria ou por pressão dos seus accionistas – leia-se Estado – e dos reguladores tenderá a abrir mão nas duas questões. Ou seja, com ou sem sucesso da OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom, até ao final do ano a TV Cabo poderá ser alienada para fora da PT e as actividades grossistas e retalhistas do telefone fixo da PT deverão ser separadas. A Sonae conseguirá assim vencer o seu grande constrangimento no mercado português de telecomunicações e com isso eliminar o obstáculo principal para se impor como um «player» verdadeiramente concorrencial à PT. Sabendo disto, Paulo Azevedo conseguiu resolver o seu problema de uma forma eficaz - atirando uma valente pedrada ao charco das telecomunicações nacionais, começou a desatar um nó que, objectivamente, o impedia de tomar a dimensão e o papel que, há anos, ambiciona. Desse ponto de vista, foi de mestre. Qualquer que seja o resultado da OPA, este objectivo será atingido. Depois, se adquirir a PT, a Sonae logo se entreterá a retalhar a PT aos bocados, como na passada semana aqui antecipei. É natural que o grupo PT valha mais aos pedaços do que em bolo, pelo que o grupo nortenho tenderá a realizar umas boas mais-valias com essas alienações «estratégicas» e uma meia dúzia de medidas de racionalização de custos operacionais. Será como juntar o agradável ao útil.
Também a OPA do Millennium ao BPI e a especulada contra-OPA do segundo sobre o primeiro podem ser lidas de uma forma original. Sabe-se, há muito, que não faltam interessados em adquirir o banco agora gerido por Paulo Teixeira Pinto. Tanto pelo seu acesso directo à liderança do mercado bancário português, como pelas suas interessantes ramificações na Polónia e na Grécia. Mais a mais, o Millennium é um verdadeiro «case study» internacional em «tecnologia» e «know-how» bancários. O banco que o comprar ganha também acesso a estas matérias e pode até replicá-las, em todo ou em parte, nos seus balcões próprios. Com o anúncio da OPA sobre o BPI, o Millennium ganha pelo menos algumas semanas tranquilas?É normal que quando uma instituição está a tentar comprar outra, se lance uma nuvem de confusão, que poderá – ainda que não obrigatoriamente – impedir que durante esse período não existam ofertas de aquisição sobre o ofertante inicial. Mas a questão da compra do Millennium é apenas uma questão de preço. Ao contrário do caso PT, onde o Estado ainda guarda uma «golden share» determinante, no BCP e no BPI só mandam os interesses dos seus accionistas. E portanto, desde que seja bom o preço, os accionistas vendem. Ou compram. Quando na terça-feira, ontem, surgiu o rumor de que o próprio BPI poderia estar a ponderar uma contra-OPA sobre o Millennium, as acções do banco de Paulo Teixeira Pinto reagiram em forte alta, ao mesmo tempo que as do BPI caíram uns quantos por cento. Ou seja, tornou-se mais cara, logo mais improvável, uma nova oferta sobre o Millennium e mais barata, logo mais provável, o sucesso da oferta sobre o BPI. Já se sabe que os rumores nunca têm paternidade. Mas na lógica de que o crime interessa especialmente aos seus directos beneficiários, até apetece perguntar quem lançou, no mercado, este boato da contra-OPA ao Millennium?