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Pedro Borges Graça bgraca@iscsp.utl.pt 31 de Agosto de 2007 às 13:59

Portugal em África

Infelizmente, Portugal não está a corresponder ao desafio histórico de se projectar economicamente para África, especialmente para os países lusófonos, num nível adequado à nossa tradicional área de influência. Não se vislumbra um plano, ...

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Não se vislumbra um plano, uma estratégia activa, nem política nem económica nem cultural, que anime as relações bilaterais. Não se sente um ambiente de mobilização com entusiasmo para as oportunidades de negócio que o presente momento oferece, tal como está a acontecer em muitos outros países, a começar pela vizinha Espanha. Pelo contrário, a opção estratégica actual, relegando a África para segundo plano, é nitidamente iberista e europeísta.

É neste contexto que se compreende a grande azáfama da presidência portuguesa da União Europeia, da nossa diplomacia, na realização da cimeira com a África. É um desperdício de dinheiro e energias em torno da polémica da participação do ditador Robert Mugabe e de um evento multilateral cujos benefícios não são evidentes. O discurso oficial fala em prestígio para o país, mas não explica a relação custo benefício nem as mais-valias concretas que resultarão do evento, parecendo somente tratar-se de floreados diplomáticos inconsequentes, embora sem dúvida estimulantes para os envolvidos. Como a palestra que, a propósito da cimeira e do problema do Zimbabwe, o secretário de estado Cravinho vai proferir no próximo dia 6 de Setembro, em Londres, na famosa Chattam House.

É verdade, porém, que a cimeira servirá a nova política de cooperação da Comissão Europeia, mas essa, que está em construção, como já foi aqui assinalado em Março passado, obedece ao conceito de “true division of labour” e representa uma ameaça para Portugal; talvez equivalente, salvaguardado o anacronismo, à da Conferência de Berlim no século XIX, agora com um novo “direito de ocupação efectiva”. Se alguém quiser dar-se ao trabalho de ver o que está acontecer, reparará que está em consolidação um multilateralismo que vai contra o interesse nacional e dá a impressão que neste momento há portugueses em funções europeias que, como se costuma dizer, “são mais papistas que o papa”.

Infelizmente, também em Portugal desde os finais dos anos 90, o multilateralismo passou a nortear a política de cooperação portuguesa, quando ajustámos nos documentos estratégicos dos negócios estrangeiros as nossas prioridades às da OCDE. É essa lógica que ainda hoje nos orienta, sobrepondo de facto na política africana de Portugal o multilateralismo ao bilateralismo, não obstante o conceito oficial esdrúxulo de “bi-multilateralismo” defendido por Cravinho. E é por isso que falta um clima de mobilização geral em Portugal, nomeadamente da sociedade civil e dos empresários, para uma projecção económica para África política e culturalmente sustentada.

Onde estão, por exemplo, os 200 professores portugueses prometidos por Sócrates a Angola há mais de um ano? E a Sofides, o nosso projectado banco do desenvolvimento, criado também há mais de um ano, quando é de facto implementado? Por que é que no panorama audiovisual português a África está tão pouco viva, desde a ficção aos documentários? Vejam bem: neste preciso momento está a desenrolar-se a “Expedição Espanhola África 2007”, chefiada pelo professor catedrático Francisco Giner, da Universidade de Salamanca, que daí partiu numa caravana de jipes, no mês passado, para percorrer 30 países ao longo de 50.000 Km durante 6 meses; são dez professores e investigadores espanhóis e americanos (da Universidade do Maine) que vão fazer estudos e documentários que serão desde logo transmitidos nas televisões hispanófonas e anglófonas. Talvez nós próprios, em Portugal, os vejamos no futuro num dos nossos canais, assim como os lusófonos africanos e brasileiros...

Tentar projectar poder de Portugal para África com cimeiras europeias e multilateralismos é um erro estratégico de difícil reparação.

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