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Pedro Borges Graça bgraca@iscsp.utl.pt 24 de Agosto de 2007 às 13:59

A Espanha em África

Ao contrário dos portugueses, os espanhóis são determinados e rápidos na passagem dos projectos à prática. A Espanha apresentou no ano passado um “Plano África”, que vem executando até ao momento de forma sistemática.

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O plano visa não só travar a imigração ilegal que chega através do Magrebe, mas sobretudo projectar a Espanha para o continente africano, pela primeira vez, na sua história, em concorrência com os ex-países coloniais e a China, Rússia e Estados Unidos.

Esta fórmula deriva, porém, embora adaptada à realidade africana, de outros planos entretanto conduzidos noutros continentes e que constituíram uma marca do governo de Aznar na política externa espanhola, exprimindo um conceito estratégico nacional de amplo consenso a que Zapatero tem dado continuidade. Foi o caso do “Plano Ásia-Pacífico” e do “Plano Europa do Leste”, criados em 2000 e 2001, para diversificarem mercados e diluírem os riscos da excessiva concentração do investimento externo na América Latina e na União Europeia, respectivamente de 37% e 47%. Para se vislumbrar o espírito do “modus operandi”, note-se, por exemplo, que ao mesmo tempo foi criado o “Real Instituto Elcano de Estudios Internacionales y Estratégicos” como parte da “Fundação Elcano”, sob a tutela financeira do Estado e de um conjunto de empresas (como a Indra, Renfe, Telefónica, Cepsa, Repsol, Seat, Santander, BBVA e Prisa), tendo como presidente de honra o príncipe das Astúrias.

O “Plano África” deve pois ser compreendido neste contexto, e, para nós, portugueses, em termos estratégicos, é uma ameaça o facto de nos encontrarmos perante a possibilidade de vermos diminuído, mais uma vez, o nosso espaço de influência nos países africanos lusófonos, como já aconteceu com a expansão de ingleses, franceses, americanos, russos e chineses. O nível desta ameaça é particularmente elevado, por três razões principais: primeiro, a Espanha define expressamente os PALOP como países prioritários para a sua projecção, em especial Angola e Moçambique, sendo factor de proximidade privilegiada a analogia linguística e cultural; segundo, possui capacidade financeira; terceiro, e não menos relevante, existe a possibilidade de Espanha, por força da língua e dos negócios, se ligar aos Estados Unidos em triangulação com a África.

Um indicador desde já assinalável da dinâmica é a duplicação de representações da Agência Espanhola de Cooperação Internacional, desde 2004 até agora, atingindo as dezoito. Outro indicador foi a inauguração, com a presença dos reis, no passado mês de Junho em Las Palmas, nas Ilhas Canárias, da designada “Casa África” que constitui a ponta de lança da estratégia espanhola, assente numa nítida concepção geopolítica de projecção de poder, enquadrada num discurso de cooperação e solidariedade. É sintomático que a Casa África tenha firmado o seu primeiro convénio com a Câmara de Comércio de Las Palmas e também que o conceito operacional já posto em marcha seja o de “Gran Vencidad” (grande vizinhança), o qual visa, com o apoio da Comissão Europeia, a integração regional económica e cultural das Canárias com os países mais próximos, tendo já Cabo Verde manifestado interesse em receber os fundos disponíveis para o efeito.

O multilateralismo não é todavia no Plano África uma prioridade da Espanha na distribuição de fundos. Como explicou recentemente Ricardo Martinez, director-geral da Agência Espanhola de Cooperação Internacional, no curso de verão da Universidade Complutense, isso aconteceu até 2006 com a afectação de mais de 500 milhões de euros para os Objectivos do Milénio, mas agora passou a optar-se pelo bilateralismo com projectos e parceiros concretos.

É uma estratégia contrária à da formulação do bi-multilateralismo do discurso oficial português da cooperação: uma semântica descapitalizada e pouco prática que ajuda a abrir espaço fácil à concorrência, nomeadamente em Angola.

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