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06 de Junho de 2008 às 14:06

Os académicos não mordem

Cavaco Silva encerrou o ciclo de conferências “Reforçar a Inovação Empresarial” do 5.º Encontro Nacional de Inovação Cotec (Associação Empresarial para a Inovação) enfatizando o papel crucial da investigação científica na inovação empresarial. Um alerta foi deixado aos empresários: é imprescindível aumentar e intensificar a cooperação entre empresas e universidades, actualmente “muito limitada” e “aquém da média europeia”.

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Não restam dúvidas quanto à importância da investigação académica. A nível macroeconómico, há muito que é reconhecido o efeito positivo da investigação científica no crescimento económico dos países (1). A nível microeconómico, a evidência empírica aponta para um efeito positivo das transferências de conhecimento da ciência para a indústria. É de referir, por exemplo, o impacto dos parques científico-tecnológicos, a referência a documentos académicos nas patentes empresariais e os casos em que a investigação universitária se transformou em inovações de sucesso. Veja-se o exemplo do motor de busca “Google” que nasceu em 1996 a partir de um projecto de investigação de Larry Page, então aluno de doutoramento na Universidade de Stanford.

Apesar da importância do conhecimento científico na inovação empresarial, a escala e a intensidade das transferências de conhecimento entre as universidades e as empresas são baixas. Os dados mais recentes da OCDE (2) mostram que entre 2002 e 2004, entre todas as empresas que participaram em actividades de inovação, menos de 20% das empresas de grande dimensão colaborou com instituições académicas. Este valor desce para cerca de 3% no caso das pequenas e médias empresas. Mas o que justifica esta separação entre o mundo empresarial e o mundo académico?

Apenas um conjunto de empresas em sectores industriais particulares, usando tecnologias específicas (por exemplo a biotecnologia), tem (maiores) incentivos para uma colaboração com as universidades. Em geral, o conhecimento académico é utilizado em actividades de inovação orientadas para o desenvolvimento de novas tecnologias e de novos produtos. Estas actividades acontecem numa fase inicial do processo de inovação, caracterizado quer por uma elevada incerteza tecnológica, quer por um retorno não imediato do investimento. Sendo assim, são elevados os custos de transacção na transferência do conhecimento científico. A incerteza quanto a resultados dificulta o estabelecimento de direitos de propriedade intelectual, o qual facilita spillovers para empresas concorrentes. Adicionalmente, a incerteza tecnológica restringe o financiamento para a produção e troca de conhecimento, dada a aversão ao risco das instituições financeiras.

Contudo, a inovação empresarial não depende apenas do conhecimento científico básico. As políticas de gestão, a construção eficiente de projectos, a delegação de autoridade, as estratégias de motivação dos trabalhadores, como as políticas de incentivos, são áreas de crucial importância para o sucesso (da inovação) empresarial. Sendo, assim, seria de esperar uma cooperação mais intensa entre investigadores das áreas económico-sociais e as empresas. Tanto mais que esta cooperação não padece da especificidade de um conhecimento caracterizado por elevada incerteza tecnológica.

No entanto, é difícil convencer empresários para uma colaboração na produção de novo conhecimento científico profícuo ao sucesso empresarial. Veja-se a não receptividade dos empresários para a colaboração com investigadores universitários na realização de experiências na própria empresa para testar, por exemplo, diferentes esquemas de incentivos. As consequências não são apenas negativas para as empresas. A importância desta colaboração para o desenvolvimento de novo conhecimento na área da economia organizacional contribui também para a chamada saída de cérebros para outros países, onde a abertura a esta investigação por parte das empresas é maior. Assim, as empresas perdem. A academia perde. O País perde.

(1) Veja-se, por exemplo: Jaffe, A. (1989). The real effects of academic research. American Economic Review 79, 957-970.
(2) OECD Science, Technology and Industry Scoreboard 2007.


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