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18 de Fevereiro de 2009 às 14:25

Sempre a aprender

Voo da Lufthansa, Chicago-Munique. "Por favor apertem os cintos, vejam o folheto com instruções de segurança colocado nas costas da cadeira em frente...".

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Voo da Lufthansa, Chicago-Munique. "Por favor apertem os cintos, vejam o folheto com instruções de segurança colocado nas costas da cadeira em frente...". Pego no folheto e dentro deste está um outro, não com imagens de como apertar cintos, puxar máscaras de oxigénio, ou sair do avião em caso de aterragem de emergência. Antes, encontro um olhar triste de uma criança africana e palavras de apelo a ajuda monetária.

Sendo esta a primeira vez que me confronto com um pedido de donativos em pleno voo (e não voo assim tão pouco), a reacção foi de surpresa. Como seria possível não me ter deparado anteriormente com tal estratégia de recolha de donativos? Quando comparada com recolhas frequentemente realizadas na rua, a estratégia parece ser eficiente e mais eficaz. Cerca de 350 passageiros aos quais sem qualquer custo lhes é dado o tal folheto. E o momento não poderia ser mais apropriado: a atenção é elevada e está-se rodeada de gente. Parece ser quase impossível dizer "agora não, obrigado, estou com pressa". Fisicamente, ali estamos, literalmente presos a uma cadeira no momento em que "os senhores passageiros têm de estar nos seus lugares porque o avião vai descolar". Não há muito que fazer, nenhum aparelho electrónico pode ser ligado e a leitura de algo que exija maior concentração parece ser dificultada pelo batimento cardíaco que sobe à medida que o avião ganha velocidade. Emocionalmente, ali estamos confrontados com estratégias de segurança e salvamento e a apelar a forças sobre-humanas, sejam elas quais forem, para que a viagem corra bem. E fazer o bem até pode ser que ajude. E além de sermos muitos, somos muitos no espaço exíguo de uma cabine de avião. A pressão social é imputada pelos olhares alheios de outros passageiros e a preferência por agir em conformidade existe (estudos mostram, por exemplo, que deixamos maiores gorjetas quando estamos em grupo do que quando estamos sozinhos).

Penso também nos resultados obtidos em experiências laboratoriais, onde indivíduos anónimos escolhem transferir para outros anónimos parte do dinheiro que recebem por participarem na experiência. A interpretação é que afinal de contas não somos todos egoístas como a teoria económica o prevê. E se doamos a anónimos em laboratório, é esperado que o façamos mais ainda a instituições de caridade, onde outros factores além de preferências socais existem, como o status social obtido por doar, a existência de pressões sociais, ou simplesmente o gostar de fazer a diferença na vida de alguém. Mas o altruísmo, intrínseco ou condicional, não é imune à crise económica.

Penso na crise, em como o avião está quase vazio e como uma boa estratégia poderá não ter o impacto desejado. Embora com espaço para 350, somos apenas 90 passageiros a voar. Assim, se a proporção de altruístas for a mesma, o número médio de donativos e o valor recolhido será cerca de um quarto da recolha potencial se o avião estivesse cheio. Mais, os passageiros que ali estão podem até pertencer a um grupo de passageiros frequentes que já contribuem para a instituição em causa, ou que já leu as normas de segurança tantas vezes que nem sequer se depara com o folheto em questão, ou para quem voar não cause qualquer emoção ou receio que resulte em especial vulnerabilidade para "fazer o bem ao próximo". Mais ainda, cada passageiro tem cerca de quatro lugares só para si, não existindo assim olhos curiosos a "controlar" o que cada um faz e não faz - a pressão para doar é muito menor. De repente, parece-me que a recolha de donativos é substancialmente menor do que o decréscimo potencialmente exigente só por o número de passageiros ser menor. Ou talvez não.

Contribuir para uma intuição de caridade assemelha-se à contribuição para um bem comum. Temos utilidade se a instituição receber mais dinheiro, e derivamos utilidade por contribuir, por fazer a diferença. Um avião com mais gente significa, à partida, que a instituição poderá recolher muito mais, sendo que isso nos deixa satisfeitos e a pensar que não precisamos de contribuir nós próprios. Ou seja, contamos com os outros… Além disso, a minha contribuição, no meio de muitas, fará menos a diferença (semelhante ao argumento "um voto em muitos") e o prazer que dela retiro menor também. Com isto, não mais me é evidente quais as forças em questão e não sei à partida se a recolha será menor ou maior.

Aterro e contacto a Lufthansa para obter dados sobre donativos que me permitissem ter uma resposta. Mas a resposta que recebo é que o registo da informação que necessito não é feito. Sigo viagem para Londres, desta feita a pensar no quanto as empresas e instituições em geral deixam de aprender por simplesmente não recolherem informação ou por não estarem disponíveis para experiências. E muitas vezes as estratégias são implementadas apenas com base em intuições, que valem o que valem sem informação objectiva, e frequentemente se prova estarem erradas.



Economista
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