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13 de Setembro de 2012 às 23:30

A delapidação do trabalho

A injustiça salarial associada à precariedade no trabalho e à falta de oportunidades de emprego, convidam à emigração dos mais qualificados, de jovens ávidos por trabalhar, intrinsecamente motivados, e ainda com sonhos e energia.

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Há um ano, Vítor Gaspar, anunciava que a descida da Taxa Social Única (TSU) para as empresas como medida pró-competitividade era inadequada ao contexto recessivo. Nessa altura, argumentava-se que o eventual aumento de impostos indirectos, que compensaria a descida da TSU para as empresas, reduziria o consumo privado e público, com consequências nefastas para a economia.

Passado um ano tudo é diferente. A ideia brilhante de compensar a descida da TSU das empresas de 23,75% para 18% com a subida para os trabalhadores de 11% para 18%, permite – dizem-nos – que os mesmos modelos que em 2011 estimaram efeitos recessivos, estimam agora maior competitividade e mais emprego. Um mar de rosas, que os efeitos da redução do poder de compra, causados pelos cortes salariais, parecem agora não afetar.

Em que ficamos? O que mudou? Além de um país mais pobre, nada. A subida da TSU para os trabalhadores é, em tudo, um imposto, quer no nome – já que a uma taxa está vinculada uma contraprestação de serviços (que ainda por cima diminuem) –, quer nos efeitos. E pior, é um imposto com o pior de dois mundos: a cegueira e injustiça que caracteriza um imposto indirecto, por não olhar a níveis de rendimento, e a penalização directa do factor produtivo mais importante – o trabalho –, tornando-o assim num imposto directo sobre o rendimento dos trabalhadores.

Deste modo, a redução salarial não virá somente acompanhada da redução do consumo privado, mas – e este efeito pode ter magnitudes inesperadas – também ameaça directamente a produtividade, pela desmotivação que provoca nos trabalhadores. A primeira premissa para a produtividade é um ambiente de trabalho mais humano, com um nível salarial justo. A desmotivação perante o trabalho e a animosidade ao empregador resultam em grande parte do sentimento de injustiça por salários baixos. Perguntem aos empresários que eles sabem. Em tempos difíceis, as empresas raramente reduzem salários, optando pelo despedimento – injusto socialmente, mas simples de entender. Despedir afeta quem sai, reduzir salários afeta quem fica, e quem fica é quem produz.

Os índices de satisfação dos trabalhadores servem de alerta para as empresas que desejam manter a competitividade num mercado cada vez mais acerrado e dinâmico. Aplica-se às empresas, aplica-se ao país. Para a maioria dos portugueses, o salário não é justo. O fosso entre quem mais e menos ganha é notório, assim como o são as diferenças salariais, para a mesma profissão, entre Portugal e os restantes países na União Europeia.

Mais, num país onde a maioria trabalha para viver, onde a maioria não tem a sorte de ter um emprego de sonho – o tal hobbie remunerado – o salário, como fonte de motivação, é ainda mais importante. Talvez seja difícil de entender para quem governa, para quem sempre teve a sorte de fazer o que gosta.

Este imposto único é de uma insensatez social atroz, mas também o espelho de uma cegueira de governantes e conselheiros. Tendo que mexer nos impostos sobre o trabalho, manter a progressividade destes é duplamente importante: porque garante maior igualdade social, mas porque permite, também, minimizar a consequente desmotivação dos trabalhadores, pois a redução salarial tem um impacto tanto mais negativo na motivação quanto menor o rendimento e a qualificação dos trabalhadores – e é aqui que se joga a paz social –. Para os mais qualificados com maiores remunerações, o trabalho é essencialmente uma fonte de realização pessoal, mais do que uma necessidade de sobrevivência. Além do mais, estes trabalhadores usufruem de maior poder de negociação, mais e melhores alternativas no mercado de trabalho, o que permite que haja, na prática, uma transferência de parte do aumento do imposto para o empregador.

É de salientar ainda, que salários baixos e reduções salariais, incentivam a baixa qualificação e escolaridade e abandono escolar, criando uma força laboral cada vez com menos motivação intrínseca para o trabalho. A injustiça salarial associada à precariedade no trabalho e à falta de oportunidades de emprego, convidam à emigração dos mais qualificados, de jovens ávidos por trabalhar, intrinsecamente motivados, e ainda com sonhos e energia.

O aumento da TSU é um imposto. Cego que nem o IVA. E delapidador do bem mais valioso que a sociedade carrega. O trabalho.

Economista
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