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04 de Novembro de 2011 às 12:34

O "Ministro Estrangeiro dos Negócios Portugueses" (onde pára Paulo Portas?)

O País está dividido em dois: de um lado estão os políticos, banqueiros, evasores fiscais e barões dos ‘media’, que apoiam a mais cirúrgica, social e culturalmente violenta readaptação a que a Europa Ocidental assistiu.

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"O País está dividido em dois: de um lado estão os políticos, banqueiros, evasores fiscais e barões dos ‘media’, que apoiam a mais cirúrgica, social e culturalmente violenta readaptação a que a Europa Ocidental assistiu. Do outro lado, está a vasta maioria da população (...). A tentativa de dividir a Função Pública (ritualisticamente apresentada como preguiçosa e corrupta) e os empregados do sector privado falhou; o único sucesso de que o Governo se pode gabar é de ter exterminado a velha divisão Esquerda-Direita e a ter substituído por uma outra, entre as elites e o povo (...). Os dois partidos dinásticos foram reinando alternadamente sobre os desígnios da Nação, criando o inflacionado e ineficaz sector público que agora atacam. Fecharam os olhos à evasão fiscal e criaram um generoso sistema de ingerências; continuaram a endividar o Estado, mesmo depois de sinalizado o problema, e trouxeram a intervenção externa (...). É como se as elites quisessem que a dívida orquestrasse agora a destruição sistémica do Estado e a subsequente transferência de bens públicos para mãos privadas".

Não, não é sobre Portugal, mas podia ser. Trata-se de um artigo publicado no "The Guardian" da autoria do grego Costas Douzinas, e não é preciso especial discernimento para perceber que talvez o esforço de Pedro Passos Coelho em reafirmar que "Portugal não é a Grécia" não passe, na sua essência, disso mesmo, um esforço. Publicado sob o título "Greece’s lines are now clear", este artigo, anterior ao "cavalo de Tróia" do referendo, abre com a descrição de um padeiro que decidiu não fazer greve no seu negócio familiar, pois tinha a percepção de que a sua padaria estava a fiar, sobretudo, os desesperadamente necessitados. Não é preciso saber nada sobre Aljubarrota para fazer a analogia: a Grécia verga às mãos dos seus (des)Governos e delírios da propaganda política, burilados com o poder sádico e deliberado dos "media", tal como em Portugal. Resta saber se o drama é, de facto, de proporções ainda mais épicas que o nosso, ou se é tudo uma questão de "timing" até que nos ponham lado-a-lado.

Neste momento de negro suspense, daqueles que sabemos só podem desembocar em tragédia ou redenção (ou ambas), ninguém sabe de Paulo Portas, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros. Não aparece, nem em feiras, nem nos púlpitos azuis de onde nos habitou aos seus exercícios de moralismo patriótico exacerbado. Não estamos sós, nem orgulhosos, e a mediação que se segue será dura mas essencial, pois lidará inevitavelmente com a possível (?) relação entre os que contraíram a dívida, e os que emprestaram o dinheiro. Reequilibrar esses pressupostos, recuperar a soberania internacional, fazer política, pode muito bem vir a ser – para lá da anarquia e da violência da guerra – a única solução para o nosso futuro imediato. Não ser Europeu não está na mesa.

Em pleno Cavaquismo ,"O Independente", o extinto semanário dirigido por Paulo Portas em início de carreira, publicava mais uma das suas divertidas histórias, com as quais veio fazer salutar concorrência ao exclusivo da contestação de (extrema, mas não só) Esquerda, durante os governos do agora Chefe de Estado. O alvo era João de Deus Pinheiro: o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Cavaco Silva tinha decidido discursar além fronteiras em inglês, ao invés do uso patriótico da língua de Camões. De perfil, surgia acompanhado do título "O Ministro Estrangeiro dos Negócios Portugueses". Ora, que uma debutante como Assunção Cristas se feche no gabinete com o ar condicionado austeramente desligado, enquanto o mar devora a olhos vistos a costa portuguesa (*), é uma coisa da esfera da normal mediocridade e irresponsabilidade da política lusa, um defeito de classe; que um líder partidário com as chaves da coligação da maioria na mão, como Portas, não cresça para a situação, é outra completamente diferente. Tão diferente quanto saber a diferença entre andar a apagar fogos, ou a atirar gasolina para a fogueira.

(*) Portugal é o quarto país da União Europeia mais exposto à erosão costeira, com 30% da sua zona de costa severamente afectada pelo fenómeno. O problema está disseminado, das arribas algarvias aos molhes de Ovar, e ameaça seriamente as populações e as suas actividades económicas, da pesca tradicional ao turismo, muitas vezes as duas únicas fontes de subsistência regional, como as recentes e notórias notícias trouxeram – outra vez – a lume.

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