Opinião
Crónica de Tuvalu ("Nenhum homem é uma ilha")
Localizado no Pacífico, a meio do caminho entre o Havai e a Austrália, está o arquipélago de Tuvalu, antigamente chamado Ilhas Ellice. Como qualquer ilha, só tem fronteiras marítimas; e como qualquer região marítima vulnerável, vive a iminente tragédia do desaparecimento, por causa da subida do nível médio das águas
"Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; (…) a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."
John Donne,
Poeta inglês (1572 – 1631)
Localizado no Pacífico, a meio do caminho entre o Havai e a Austrália, está o arquipélago de Tuvalu, antigamente chamado Ilhas Ellice. Como qualquer ilha, só tem fronteiras marítimas; e como qualquer região marítima vulnerável, vive a iminente tragédia do desaparecimento, por causa da subida do nível médio das águas – quase toda a região se encontra a menos de 7 metros acima do nível do mar. Tem uma economia que não é só turismo, e vale a pena escrever sobre ela; não há lá petróleo, e cá também não.
Tuvalu é constituído por nove ilhas e atóis. O pedaço de terra firme mais próximo são as Ilhas Salomão, que se encontram a uns "meros" 900 quilómetros dali, fazendo daquela zona uma das mais remotas e isoladas do planeta. O arquipélago terá sido povoado por exploradores da Ilha de Samoa, durante os séculos XIV e XV; foi pertença da Coroa Espanhola no início do séc. XIX, que de lá exportou milhares de escravos para as suas colónias latino-americanas. Já nos finais desse mesmo século, transformou-se em Ilhas Ellice, ficando com o estatuto de protectorado britânico – a independência e o nome Tuvalu chegam só em 1978. Durante a II Grande Guerra – ou melhor, a partir de 1941, quando esta chegou ao Pacífico com o envolvimento do Japão – foi invadida e reconquistada, primeiro pelas tropas do Sol Nascente, depois pelos marinheiros do Tio Sam. Nunca ofereceu qualquer tipo de resistência ou colaboração, nem a uma, nem à outra facção. Mesmo assim, apesar desse pacifismo quase poético, o conflito mundial deixaria marcas de holocausto no arquipélago: com o abandono da região pelos 6.000 militares ali estacionados, e com a destruição de quase tudo o que era infra-estrutura fundamental, a escassez de bens essenciais chegou a ameaçar a extinção dos autóctones.
Em boa verdade, Tuvalu – que se encontra mesmo a sul do Equador, rodeado das mais belas águas do mundo – tem uma reduzidíssima actividade turística. Em todo o arquipélago só existe um hotel. Tuvalu exporta têxteis, cultiva palmeiras e, claro, dedica-se à pesca. Mas o principal factor distintivo da sua economia são as ditas fontes de rendimento não-convencionais. É que enquanto os homens de negócios do planeta desenvolvido zombam do destino, ao exaurirem a terra dos seus recursos, os habitantes de Tuvalu – ironicamente, os mais ameaçados com este estado louco de coisas – imaginam outras formas de rendimento, outras formas de criar real valor. Primeiro, a partir dos anos 90 do século passado, começaram por vender direitos de exploração do seu código telefónico, o prefixo "900". Mais tarde, a partir do século XX, começaram a celebrar contratos de exploração do domínio de internet que em sorte lhes coube: o ".tv".
É assim que algumas corporações televisivas um pouco por todo o mundo pagam direitos a Tuvalu, sem que este excêntrico canto do planeta tenha de gastar um só grama dos seus recursos; o mesmo não se pode dizer da ameaça que paira já sobre o novo ex-líbris da região: a descoberta de um dos maiores recifes de coral rosa do mundo. E embora alguns habitantes de Tuvalu vejam com maus olhos o negócio da venda do ".tv" a alguns clientes de moral duvidosa (de cadeias de online "shopping" até sites de pornografia), a verdade é que a ceifeira do turismo – movida exactamente pelo mesmo espírito de consumo sem regra, que faz subir as águas do Pacífico – é uma ameaça moral muito, mas muito mais evidente. Sendo Tuvalu um dos países que menos polui no mundo, é um dos mais ameaçados pela poluição: nenhum homem é uma ilha.
John Donne,
Poeta inglês (1572 – 1631)
Tuvalu é constituído por nove ilhas e atóis. O pedaço de terra firme mais próximo são as Ilhas Salomão, que se encontram a uns "meros" 900 quilómetros dali, fazendo daquela zona uma das mais remotas e isoladas do planeta. O arquipélago terá sido povoado por exploradores da Ilha de Samoa, durante os séculos XIV e XV; foi pertença da Coroa Espanhola no início do séc. XIX, que de lá exportou milhares de escravos para as suas colónias latino-americanas. Já nos finais desse mesmo século, transformou-se em Ilhas Ellice, ficando com o estatuto de protectorado britânico – a independência e o nome Tuvalu chegam só em 1978. Durante a II Grande Guerra – ou melhor, a partir de 1941, quando esta chegou ao Pacífico com o envolvimento do Japão – foi invadida e reconquistada, primeiro pelas tropas do Sol Nascente, depois pelos marinheiros do Tio Sam. Nunca ofereceu qualquer tipo de resistência ou colaboração, nem a uma, nem à outra facção. Mesmo assim, apesar desse pacifismo quase poético, o conflito mundial deixaria marcas de holocausto no arquipélago: com o abandono da região pelos 6.000 militares ali estacionados, e com a destruição de quase tudo o que era infra-estrutura fundamental, a escassez de bens essenciais chegou a ameaçar a extinção dos autóctones.
Em boa verdade, Tuvalu – que se encontra mesmo a sul do Equador, rodeado das mais belas águas do mundo – tem uma reduzidíssima actividade turística. Em todo o arquipélago só existe um hotel. Tuvalu exporta têxteis, cultiva palmeiras e, claro, dedica-se à pesca. Mas o principal factor distintivo da sua economia são as ditas fontes de rendimento não-convencionais. É que enquanto os homens de negócios do planeta desenvolvido zombam do destino, ao exaurirem a terra dos seus recursos, os habitantes de Tuvalu – ironicamente, os mais ameaçados com este estado louco de coisas – imaginam outras formas de rendimento, outras formas de criar real valor. Primeiro, a partir dos anos 90 do século passado, começaram por vender direitos de exploração do seu código telefónico, o prefixo "900". Mais tarde, a partir do século XX, começaram a celebrar contratos de exploração do domínio de internet que em sorte lhes coube: o ".tv".
É assim que algumas corporações televisivas um pouco por todo o mundo pagam direitos a Tuvalu, sem que este excêntrico canto do planeta tenha de gastar um só grama dos seus recursos; o mesmo não se pode dizer da ameaça que paira já sobre o novo ex-líbris da região: a descoberta de um dos maiores recifes de coral rosa do mundo. E embora alguns habitantes de Tuvalu vejam com maus olhos o negócio da venda do ".tv" a alguns clientes de moral duvidosa (de cadeias de online "shopping" até sites de pornografia), a verdade é que a ceifeira do turismo – movida exactamente pelo mesmo espírito de consumo sem regra, que faz subir as águas do Pacífico – é uma ameaça moral muito, mas muito mais evidente. Sendo Tuvalu um dos países que menos polui no mundo, é um dos mais ameaçados pela poluição: nenhum homem é uma ilha.