Opinião
O patriotismo económico
O futuro da França depende da maneira como Villepin conseguir gerir a actual crise socio-económica. Mas desengane-se quem pensa que o patriotismo é uma concepção exclusivamente francesa.
O recente caso Volkswagen/Autoeuropa é também elucidativo da determinação em assegurar o mercado nacional.
A uns dias da cimeira de Hampton Court há um tema - política e economicamente controverso - que está a elevar a expectativa criada em torno deste acontecimento. Falo do «patriotismo económico».
Foram as polémicas declarações de Jacques Chirac proferidas em 4 de Outubro último - em que a propósito do anúncio da intenção da Hewlett-Packard de suprimir empregos em França, manifestou a ideia de que a «Comissão Europeia (CE) não dá a impressão de defender os interesses da Europa» - que suscitaram esta controvérsia. Quer o presidente da CE, Durão Barroso, quer o comissário para a indústria, Gunter Verheugen, apressaram-se a esclarecer que as empresas europeias só podem beneficiar da abertura dos mercados e que a CE não tenciona proteger o sector industrial da concorrência. Contudo, e posteriormente num encontro com Tony Blair em 7 de Outubro, o presidente francês sublinhou existir um clima de «harmonia» e «determinação» para construir a «Europa do Futuro». Os dois dirigentes reafirmaram a sua intenção de serem uma «força de harmonia» para a Europa e não de «divisão».
Ora, parece-me que este caso suscita atenção e reflexão.
Depois da crise aberta, em 29 de Maio pelo «não» francês à Constituição Europeia, os dirigentes dos países da União Europeia (UE) propõem debater em Hampton Court, questões de importância fulcral para o futuro próximo, nomeadamente a defesa e a segurança europeia e o modelo económico e social europeu. E é precisamente em relação ao segundo tema que se vem discutindo a questão do «patriotismo económico». Esta discussão desencadeou, precisamente, a actual divergência de entendimento entre a concepção liberal da CE e a «visão patriótica» de alguns governos de Estados-membros. Em defesa de uma «Europa Aberta», a CE rejeita a aplicação de medidas defensivas dos mercados (leia-se mercado empresarial e mercado de trabalho).
No que respeita ao mercado empresarial, em França muito se fala actualmente na necessidade de «reforçar a independência das empresas nacionais». Na sequência da agitação criada em torno de uma oferta de compra feita pela Pepsi ao grupo Danone, o executivo reagiu reafirmando a vontade de salvaguardar a indústria e envolveu-se num verdadeiro patriotismo económico que se traduz em «defender a França e o que é francês».
Em 21 de Julho o presidente francês admitia que a prioridade para o país era proteger a concorrência industrial e fortalecer o sector empresarial. E, a este propósito, o governo francês anunciou, a par da transposição da directiva europeia sobre as OPA (que permite aplicar o princípio da reciprocidade), um conjunto de medidas destinadas a proteger a indústria e a promover o emprego.
Ciente de que as margens de manobra para manter o défice público abaixo dos 3% são reduzidas e de que existem muitos obstáculos ao relançamento económico, o executivo propõe medidas de dinamização inseridas no plano de relançamento económico através de uma «nova estratégia industrial». Para além de propor reforçar o envolvimento dos trabalhadores no sucesso das empresas, de implementar junto das micro-empresas novas formas contratuais de trabalho e, de relançar o investimento e a investigação no sector empresarial privado, o governo francês apresentou um plano de desenvolvimento para a exportação que pressupõe, nomeadamente, medidas de solidariedade dos grandes grupos franceses relativamente às PME.
Mas a polémica surgiu quando o executivo publicou um decreto onde identificou os sectores industriais estratégicos interditados a controlo estrangeiro e anunciou uma listagem da indústria a proteger. Ora, com o argumento de que esta medida prejudica a concorrência, a CE admitiu imediatamente a possibilidade de processar o governo francês e travar esta proposta que impede que algumas empresas francesas sejam adquiridas por estrangeiros.
Também no que respeita ao mercado de trabalho, a questão do «patriotismo» associada ao movimento das deslocalizações é um assunto que agita quotidianamente os franceses. A recente e surpreendente decisão da norte-americana Hewlett-Packard - que registou lucros superiores a um bilião de dólares no último trimestre - de despedir cerca de 1240 pessoas em França, fez com que Chirac expressasse publicamente o sentimento de que «a CE não defende com determinação suficiente os interesses económicos e sociais dos europeus». A CE reagiu. Lembrou que não tem competências para impedir uma empresa privada de suprimir emprego e contra-argumentou com a ideia de que havia já proposto a criação de um fundo para enfrentar os efeitos negativos da globalização e que esse fundo fora recusado por certos membros, incluindo a França.
A diplomacia francesa esclareceu, posteriormente, que este não era um pedido para que a CE se substitua aos Estados, mas para que ela tome a iniciativa de reunir os países que têm dificuldades comuns em matéria de supressão de emprego em torno de um plano coordenado ao nível europeu.
E a sucessiva supressão de emprego é, de facto, uma das principais preocupações da generalidade dos Estados-membros da UE e, em particular, do executivo francês. Recorde-se que este mês foi convocada uma greve geral pelos cinco principais sindicatos do país, reivindicando a defesa do emprego e o aumento dos salários. As razões para o descontentamento social não são novas e são muito idênticas às que conduziram à demissão de Jean-Pierre Raffarin: a diminuição do poder de compra e o desemprego (que teima em persistir à volta dos 10%).
Termino dizendo o seguinte: o futuro da França depende da maneira como Villepin conseguir gerir a actual crise socio-económica. Mas desengane-se quem pensa que o patriotismo é uma concepção exclusivamente francesa. O recente caso Volkswagen/Autoeuropa, a que oportunamente aludimos, é também elucidativo da determinação em assegurar o mercado nacional. Muito há pois para decidir no que respeita ao modelo económico e social europeu. E, é com a expectativa de que este assunto possa conhecer algum desenvolvimento que se aguarda o encontro de Hampton Court a realizar em 27 e 28 próximos.