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25 de Julho de 2006 às 13:59

O buraco da avestruz-ao-contrário

Parece inesgotável a capacidade de George W. Bush fazer mal à imagem dos Estados Unidos no mundo.

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A última – exercida não pelo próprio Bush, mas por sua inspiração -  foi a supressão do objectivo de «compreender e proteger a Terra» do documento que estabelece as missões da Nasa. A decisão terá consequências concretas – ou, noutra palavra, orçamentais – mas também se reveste de carga simbólica.

O que Bush quer é mandar uma missão tripulada à Lua e preparar uma, também tripulada, a Marte. O que Bush não quer é que a Nasa lhe continue a encher a paciência com advertências sobre aquecimento global, efeito estufa, etc.

Trata-se de olhar para fora, para longe, para a glória das Grandes Conquistas (sejam bélicas, sejam espaciais) para não ter que lidar com as chatices da atmosfera terrestre.

Bush não é alto, não tem o queixo nem os ombros largos, os gestos são curtos, quase acanhados, é um homem perfeitamente ordinário («que está dentro da ordem natural das coisas; normal; comum; vulgar; que não se salienta; mediano; médio») mas – ou precisamente por isso – procura ser épico em tudo o que faz - seja quando determina o alvo de mísseis, seja quando determina a rota de naves espaciais.

Não lhe interessa um Vai-Vem que venha cheio de advertências sobre a camada de ozono e de estudos cujas conclusões imponham restrições ao Sagrado Crescimento da América; como não lhe interessaram os informes que indicavam a inexistência de armas químicas no Iraque ou, genericamente, qualquer coisa que possa atrapalhar a transformação do ordinário em épico.

Bush é uma avestruz ao contrário: as avestruzes normais enfiam a cabeça no buraco para fugirem à luta; Bush enfia a cabeça no buraco para entrar na luta (seja a luta do Iraque ou a de Marte). Mas não nos iludamos: uma avestruz ao contrário não é o contrário de uma avestruz. Uma avestruz ao contrário ainda é, embora ao contrário, uma avestruz. Na verdade, a diferença está só no buraco. Nos buracos d’África (ou de onde quer que se passeiem as avestruzes) só há escuridão. No buraco da Casa Branca alguém se esqueceu de um game-boy (ou deixou-o lá, com intenções perversas e cheio de jogos de guerra e de naves espaciais). Mas o facto é que nem do buraco da avestruz nem do da avestruz-ao-contrário se vê o que se passa à volta. E é precisamente isso que os faz tão semelhantes e tão apetecíveis. E tão mais apetecíveis serão os buracos das avestruzes quanto mais ameaçador for o que se passa à volta. Seja aquecimento global, seja Hezbollah.

PS: Não tenho nada contra as avestruzes (a direito ou ao contrário) e, frequentemente, até me reconheço nelas. Daí a me sentir tranquilo quando verifico que o Imperador é uma avestruz...

PPS: Os portugueses estão indignados. Os portugueses estão sempre indignados. Os portugueses adoram estar indignados e mostrar o quanto estão indignados – vêem na indignação sinal de bravura e de honradez. Os portugueses, mal põem o pé fora do carro que acabaram de estacionar em cima do passeio público, e começam a mostrar a indignação com esses políticos que dedicam a vida a tomar para si o que é de todos, uns canalhas (os políticos). Os portugueses é que são bons.

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