Opinião
O associativismo como pilar da Democracia
Esclareço, desde logo, que neste artigo não se pretende analisar a questão da localização do novo Aeroporto Internacional de Lisboa e, muito menos, defender qualquer das hipóteses em cima da mesa, designadamente o Campo de Tiro de Alcochete. Impõe-se, igu
Impõe-se, igualmente, que faça aqui uma declaração pessoal de interesses: além de presidente da ANJE, sou vice-presidente da CIP, o mais recente protagonista do debate político em torno do projecto aeroportuário que, em princípio, substituirá a Portela.
Feitas estas ressalvas, não posso deixar de refutar algumas críticas que foram feitas à CIP na praça pública, a propósito do estudo entregue pelo seu presidente ao Presidente da República sobre possíveis localizações do novo aeroporto. Não por o alvo ser a CIP em concreto, mas porque a censura pública quis abranger o movimento associativo português no seu todo. A pretexto da intervenção da CIP foi posta em causa a seriedade, independência e idoneidade do associativismo nacional e, desta forma, a sua importância na sociedade portuguesa.
Para utilizar um provérbio popular, é-se "preso por ter cão e preso por não ter". Por um lado, sempre se contestou a alegada apatia e inércia da sociedade civil portuguesa e das suas "forças vivas", entre elas as associações empresariais; por outro, quando essas mesmas "forças vivas" revelam capacidade empreendedora, sentido de cidadania e pertinência política, aqui d’el rei que estão conluiadas com poder político ou, pior ainda, estão a ser instrumentalizadas por esse mesmo poder.
Trata-se de uma visão cínica do movimento associativo e que não tem em conta a sua relevância para a dinâmica socioeconómica do país, relevância essa plasmada, aliás, na própria História de Portugal. Darei apenas dois exemplos contemporâneos e a que, por certo, muitos dos que hoje criticam o associativismo serão sensíveis: a SEDES, cuja pressão para a abertura política e económica do país, durante a chamada "Primavera Marcelista", foi determinante para o posterior processo de democratização; e o Centro Nacional de Cultura, uma associação que, em pleno salazarismo, pugnou por uma cultura livre, multidisciplinar e ideologicamente plural, sofrendo com essa postura naturais consequências políticas.
É óbvio que existem, igualmente, inúmeros exemplos de associações que prestaram vassalagem a diferentes poderes políticos, inclusive já nestas três décadas de vivência democrática. Sobre isto não vale a pena ignorar este aspecto, tanto mais que neste país o Estado continua a ser omnipresente e a assumir uma posição patriarcal sobre os diferentes agentes da sociedade, cuja complacência (quando não subserviência) vai assegurando com a distribuição de dinheiros públicos.
De resto, é inconcebível que num país democrático como o nosso haja empresários que temam represálias do Executivo, pela simples razão de terem financiado um estudo que contraria a posição governamental sobre o novo aeroporto. Já sabíamos que, à escala local, muitos empresários se abstinham de criticar o poder autárquico dos respectivos concelhos com receio de serem penalizados nas suas actividades. E agora verificamos que mesmo os empresários com mais força económica se atemorizam perante o "status quo" político, o que configura um quadro, real ou presumido, de prepotência e chantagem velada do poder central, independentemente de quem o exerça.
Curiosamente, há ainda quem veja na anuência do Governo em estudar o Campo de Tiro de Alcochete como alternativa à Ota um exemplo de submissão do poder político ao poder económico, neste caso personalizado pela CIP. Mas também esta opinião é, a meu ver, tributária de uma visão deformada da práxis democrática. Que as associações procurem influenciar os destinos do país só pode ser saudado como um exemplo de cidadania activa, na medida em que em Democracia a autoridade emana do conjunto dos cidadãos, cabendo a estes regular e fiscalizar o exercício do poder pelos órgãos de soberania. Não o fazer será, sem dúvida, amputar o sistema democrático do seu principal pilar: os cidadãos, precisamente.
Neste sentido, parece-me crucial que a sociedade civil portuguesa participe activamente nas grandes questões nacionais, designadamente aquelas que envolvem importantes recursos financeiros. Ao contrário do que se verificou no passado, em que a política do facto consumado imperou sobre investimentos avultados como os referentes a Foz Côa, à Expo-98, aos estádios do Euro 2004 ou à Ponte Vasco da Gama, entre outros, importa agora envolver a população nas decisões que condicionam o desenvolvimento socioeconómico do país. Estou a pensar, por exemplo, em projectos como o TGV, na hipótese de exploração de energia nuclear ou na agenda de prioridades do QREN. Tal não significa, contudo, que se caia no pântano do diálogo "ad eternum" e se adiem as decisões para lá do razoável.
É, pois, importante que a sociedade civil revele toda a sua capacidade de pressão e influência sobre o poder político, para que em Portugal o desbaratamento de dinheiros públicos não seja uma fatalidade e a estratégia de desenvolvimento do país obedeça, de facto, ao bem comum. Ora, para ter uma sociedade civil com peso, é indispensável um movimento associativo forte, algo que, pelos vistos, não está ser devidamente valorizado por alguns sectores da nossa opinião pública (ou publicada).