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26 de Outubro de 2004 às 13:59

Molière e os impostos

Numa sociedade democrática, onde exista /existe liberdade de associação e de expressão, é natural, e até saudável, que a «sociedade civil» seja ouvida e tome posição sobre as políticas públicas, maxime a fiscal, e procure influenciá-las.

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A Política fiscal era tradicionalmente definida e executada com significativa autonomia pelos governos centrais nacionais. Hoje em dia, porém, devido aos movimentos de descentralização / regionalização, por um lado, e de integração (também, europeia), por outro, tem-se vindo a assistir a partilhas e reduções dos poderes e funções habituais nestes domínios. Em consequência, o papel dos intervenientes nas políticas públicas modificou-se, bem como o seu número e importância relativa.

Por actores da política fiscal, mas também da política económica, pode-se entender «o conjunto de instituições, autoridades - nacionais e internacionais - e, de um modo geral, todos os agentes que, de maneira relevante, determinam e influenciam a condução dessas políticas» (Mendonça Pinto).

Neles se compreendem, nomeadamente, o Governo (o principal responsável pela política fiscal, cabendo à Administração tributária preparar e executar as decisões políticas nesta área), a Assembleia da República (em função dos amplos poderes que a CRP lhe confere), as Autarquias Locais e as Regiões Autónomas (com poderes tributários próprios conferidos por lei, e com interesses directos na receita), as Instituições Comunitárias (no seu papel de coordenação global da «harmonia macroeconómica» e de decisão partilhada em certas áreas da política fiscal) e outras organizações a nível internacional (como a OCDE, o FMI, etc.).

Mas, também, os Tribunais, ou com maior rigor, os órgãos do poder judicial (a quem cabe vigiar, interpretar e mandar aplicar as leis, também fiscais), os Partidos políticos (fora do quadro específico da actividade parlamentar), ou ainda as organizações representativas de interesses legítimos (Sindicatos, Associações Empresariais, Associações de Consumidores, entre outras).

Adicionalmente, e como bem recorda o autor citado acima, numa sociedade democrática, onde exista / existe liberdade de associação e de expressão, é natural, e até saudável, que a «sociedade civil» nas suas múltiplas manifestações organizadas e legais, seja ouvida e tome posição sobre as políticas públicas, maxime a fiscal, e procure influenciá-las.

Fazem-no frequentemente em grupos organizados de interesses, também designados por «lobbies», palavra hoje de conotação negativa, mas que - na sua origem - designava no tempo da Câmara dos Comuns inglesa, a sala ou antecâmara («lobby») onde os seus membros recebiam e ouviam petições e manifestações de interesse dos cidadãos.

Estas entidades visam com a sua acção defender posições adquiridas ou conquistar novas vantagens para os seus membros («interesse egoísta») , ou mesmo para a sociedade em geral («interesse altruísta») - veja-se, neste último caso, as ONG’s para os direitos humanos, para a cultura ou para o ambiente; as IPSS, as CERCI, etc. - invocando em seu favor os benefícios que resultariam do atendimento das respectivas reivindicações.

Na sua estratégia de influência podem adoptar formas (mais) públicas e transparentes (por ex., petições aos órgãos de soberania, manifestações, etc.), ou (mais) discretas e subtis, sendo um dos «palcos» preferenciais da respectiva actuação o Orçamento do Estado - elaborado e proposto pelo Governo, mas de aprovação obrigatória pelo Parlamento - e onde se integram, habitualmente, importantes modificações nos impostos e nos benefícios fiscais.

Pelo que, preparemo-nos: os actores estão prontos, o pano subiu, o «espectáculo» vai começar!

Aviso ao leitor: A corrupção e a fraude não fazem, obviamente, parte legítima do «argumento» desta peça.

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