Opinião
Fiscalidade e Terceiro Sector
O Terceiro Sector é um sector entre o Estado e o Mercado, promotor de missões económicas e sociais, que prossegue o interesse público e cujo objectivo final não é a distribuição de lucros (OCDE).
Do denominado Terceiro Sector se poderá afirmar o que do «tempo» dizia Santo Agostinho: «Sabemos o que é, se não no-lo perguntarem, mas já não sabemos se nos pedirem uma definição». Ou, parafraseando Manuel Antunes (Polis Enciclopédia, 1993) embora noutro contexto, «mais do que explicar-se, compreende-se; mais do que cientizar-se, sente-se; mais do que reduzir-se a outros domínios, permanece na sua identidade própria, embora com eles não deixe de manter uma relação dialéctica, fecunda e necessária para a perspectivação do fenómeno na sua globalidade».
Na verdade, e nas últimas décadas, têm sido utilizados vários termos, como «sector não-lucrativo», «economia social», «economia solidária», «sector voluntário», etc., para identificar realidades e movimentos económicos e sociais de natureza associativa que prossegue múltiplas finalidades. Tal diversidade de designações não parece, no entanto, surpreendente, e é, seguramente, o reflexo da «complexidade» de formas e particularidades que hoje essas instituições evidenciam.
Definido pela OCDE (2003), como «um sector entre o Estado e o Mercado, promotor de missões económicas e sociais, que prossegue o interesse público e cujo objectivo final não é a distribuição de lucros», o Terceiro sector integra, de forma abrangente, um conjunto de organizações de cariz económico e social de finalidades não directamente lucrativas - como mutualidades, misericórdias, instituições particulares de solidariedade social, fundações, ONG’s, cooperativas, associações de variada natureza, etc. -, algumas bem antigas e centenárias, e cujo papel, também em Portugal, tem vindo a ganhar relevância crescente em anos recentes.
Contudo, e como refere o insuspeito Peter Drucker (1990), a expressão «instituições sem fins lucrativos» contem em si uma definição «pela negativa», que só nos diz o que elas não são. Todas estas instituições, sejam quais forem os seus objectivos sectoriais específicos têm, porém, algo em comum: «a sua finalidade não é fornecer bens ou serviços [ainda quando o façam], o seu «produto» não é um par de sapatos [ainda quando o produzam], nem uma regulação específica [ainda quando a assegurem]. Pelos princípios e valores que as animam, pelas práticas que as suportam, e pelos objectivos-resultados que prosseguem, estas organizações são, antes de mais, agentes da evolução humana» (sic).
Dada a sua especificidade e «singularidade» - nos valores, nos objectivos e na práticas - tais instituições defrontam-se frequentemente com problemas e barreiras ao respectivo desenvolvimento, face a enquadramentos, normas, valores e regras fundamentalmente pensadas e instituídas para actividades e entidades (privadas), por norma, maioritariamente presentes nas sociedades e economias actuais.
Disso são exemplo, pese embora a atenção e o esforço adaptador que muitos países vêm prosseguindo - aqui se incluindo o legislador português - as normas relativas à fiscalidade e à contabilidade, inspiradas em princípios, conceitos, critérios e terminologias mais consentâneas com actividades nas quais está primordialmente subjacente a ideia de «resultado-lucro», e menos a de «resultado-obra / missão».
Daí a dupla necessidade de adaptar e de promover!
A racionalidade «técnica» para o apoio fiscal à Economia Social suporta-se em argumentos de diversa índole, que vão desde a sua actividade de produtora de bens sociais e de mérito, em complementaridade com a provisão pública ou, mesmo, em sua substituição (»fracassos de governo»), até à compensação pela divulgação e prática de valores sociais relevantes, à criação de emprego, à promoção de formação profissional e cívica, etc.
Assim sendo, tais apoios (também fiscais) não se configuram como «privilégios fiscais injustificados», no sentido usado pelo saudoso Prof. Sousa Franco, mas antes decorrem e são concedidos em correspondência a «exigências dinâmicas de justiça e interesse geral».
No caso português, a imperatividade de tais regimes encontra-se consagrado em diversas disposições da CRP, e tem adequado desenvolvimento normativo, não só em legislação fiscal específica (como no caso das IPSS, das Mutualidades ou das Associações, via estatuto de PCUP; das cooperativas, via Estatuto Fiscal Cooperativo; etc.), como também, em normas constantes de diferentes Códigos tributários (como o do IRC, do IMI ou do IMT, do IVA, do Selo, etc.).
Tal parece-nos opção fiscal correcta e a manter.
Assim continuem estas instituições a afirmar e promover, na sua prática (económica, social e cívica) quotidiana, os valores de que se reclamam e as justificam; e assim saiba o legislador fiscal (também o de 2005/2006?) compreender, garantir e incentivar a sua existência, tributando igual o que é igual ou semelhante; mas discriminando positivamente aquilo que é diferente e socialmente desejável.