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Opinião
07 de Junho de 2005 às 13:59

Vícios privados, públicas virtudes!

Os impostos especiais sobre o tabaco, o álcool, os veículos ou a gasolina são, habitualmente, a «reserva fiscal» de qualquer governo e finanças públicas aflitas.

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As receitas dos impostos especiais sobre o consumo (incidentes, nomeadamente, sobre  tabaco, álcool e bebidas alcoólicas, gasolina e veículos automóveis) terão atingido no ano de 2004, conforme se pode ler no Relatório que acompanha o OE/2005, cerca de 5,5 mil milhões de euros, ou seja, quase 20% do total das receitas fiscais (sem contribuições sociais). No plano europeu verifica-se, igualmente, que cerca de 15% das receitas provêm destas fontes.

E tanto ou mais importante do que isso, é a constatação que, devido às características e natureza que esses impostos revestem, eles são obtidos com mínimos de resistência social, bem ao contrário do que acontece com os impostos que atingem o rendimento ou outras manifestações de capacidade económica dos cidadãos- contribuintes. Por isso são a «reserva fiscal» de qualquer governo e finanças públicas aflitas.

Mas qual é a origem dessa tão peculiar «indulgência contributiva», admitindo que o comum dos contribuintes não foi conquistado ou não está desperto para as (discutíveis, na prática) potencialidades correctivas destes impostos, suportadas em argumentos à Pigou ou à Ramsey? A busca de uma resposta reconduz-nos à questão (histórica) dos chamados «impostos sobre o pecado» ou, na sua designação inglesa, à «sin taxation».

Recorrendo a Hinrichs, na sua sempre actual «Teoria geral de evolução das estruturas fiscais...», vem de longa data - por vezes remontando ao tempo medieval - a existência de tributos, multas e direitos sobre actos e práticas sociais, que hoje constituem verdadeiras curiosidades fiscais, como a encontrada nos arquivos de tribunal inglês, que referia ter «a esposa de Hugo de Nevill pago ao Rei 200 galinhas pela autorização para dormir uma noite com o seu marido, Hugo de Nevill»! E, também, ao mundo antigo, em Atenas, onde já se cobravam tributos sobre as práticas de adivinhação, de magia, de prostituição, de jogo, etc.

Em interessantíssimo trabalho sobre o tema, Sérgio Vasques (1999, ed. Almedina) interroga-se também sobre o como, o quando e em que condições sociais  terão surgido este tipo de impostos. Assim, e no caso do tabaco, a grande controvérsia moral e religiosa com que, no séc. XVII, foi efectuada a introdução da planta na Europa - cujo uso foi assumido a uma «imitação de costumes ímpios e selvagens da América do Norte» -, chegou a justificar em Inglaterra, mais do que a respectiva tributação, a proibição do seu consumo no início dos anos 1600. Na Rússia dos Czares, o primeiro dos Romanov proibiu, igualmente, a mera posse de tabaco, e puniu os fumadores com o corte dos lábios, e aqueles que preferissem o rapé, com o corte do nariz! O vício foi, porém, mais forte, como todos sabemos hoje!

No caso do álcool, por seu turno, a questão terá sido, segundo o mesmo autor, bem mais complexa: é que, no séc. XVII, tanto o vinho, no sul da Europa, como a cerveja, no Norte, integravam tradicionalmente a alimentação quotidiana popular, e eram produzidos a nível doméstico e comunal, neles se confundindo, como em tantos outros géneros, as qualidades de alimento e medicamento. Por exemplo, Francis Bacon atribuía a boa saúde e longevidade da Rainha Elisabete I de Inglaterra, à sua dieta de bife e cerveja ao pequeno-almoço (!); e, entre nós, Pedro Hispano, no «Livro sobre a Conservação da Saúde» recomendava que se lavasse com bom vinho as narinas «a fim de fortalecer a digestão e afastar as ventosidades»(!). Pelo que, neste campo, a tributação terá sido originada pela produção e consumo das bebidas destiladas, de conteúdo alcoólico mais elevado, e que, no dizer da altura, proporcionavam «um novo tipo de embriaguez»! E, mais uma vez e sem surpresa, a Igreja condenou, como «pecado», o abuso do álcool e todo o género de vícios e comportamentos que o mesmo gerava.

Modernamente, parece ter-se vindo juntar à velha lista dos «pecados» a posse e uso de veículos automóveis. Mas foi, sobretudo, a partir do início dos anos 90, quando os países nórdicos introduziram as designadas «reformas fiscais ambientais» («green taxation») que autoridades políticas e fiscais de diferentes países aumentaram impostos já existentes, ou introduziram novas formas de imposição sobre bens e actividades consideradas danosas do meio ambiente, e por esse facto justificadas. Em consequência, ganharam novas relevâncias as tributações dos combustíveis, dos veículos, da poluição atmosférica, da gestão e tratamento dos resíduos e lixos, dos produtos tóxicos, etc.

 Mas se, inicialmente, os impostos do pecado terão nascido com a intenção «prevenir e reprimir determinados comportamentos em homenagem às vozes da consciência», hoje a finalidade de angariação de receita é, objectivamente, predominante sendo, neste aspecto, Portugal  um dos «campeões de bilheteira». A tributação dita «ambientalmente conexa» atinge entre nós valores da ordem dos 3,8% do PIB, para uma média (ponderada) internacional inferior a 2% (OCDE).

Para se ter uma dimensão mais próxima e real do que tal significa, podemos dizer que os montantes que tais impostos representam são semelhantes ao volume de recursos que todo o sector público administrativo aplica anual e directamente em investimento; correspondem a cerca de 80% dos gastos orçamentais em saúde; e cobrem totalmente as despesas com defesa, segurança e ordem pública! São, portanto, encarados como uma fonte de financiamento «virtuosa», uma pública virtude!

Pelo que, caros leitores, sejam patriotas: fumem, bebam, comprem e andem de carro, isto é, «MATEM-SE»! O Orçamento de Estado, a sustentabilidade financeira do sistema de Segurança Social, o País, agradecem e irão ao vosso funeral!

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