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05 de Julho de 2005 às 13:59

IRC: o mal-amado

970 empresas pagam cerca de 2/3 do IRC, e 45 (quarenta e cinco) num universo de 331 mil explicavam 1/3 da receita do IRC!

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Decididamente, uma boa parte dos empresários portugueses não gosta do IRC! Os governos mudam, as políticas alteram-se; as conjunturas económicas sobem e descem; o imposto passa de «antiquado» (cedular) a «moderno» (unitário); as taxas reduzem-se, e os benefícios fiscais também (será este o «ponto»?); uma certeza fica, porém: numa perspectiva temporal de longo prazo (2 décadas), só cerca de metade das empresas apresenta matéria colectável positiva e paga imposto sobre os lucros! (exclui-se tributação autónoma e similares). A «prova» aí está no quadro junto, e foi confirmada pela divulgação recente dos dados relativos ao exercício de 2004.

Mas será que esta «incomodidade» chamada IRC é um fenómeno tipicamente nacional, isto é, e como diria o Poeta, decorrerá de «erros nossos, má fortuna, (des)amor ardente»?

O imposto sobre o lucro das sociedades sempre foi um imposto algo «controverso», entendida a afirmação neste sentido: é gerador de visões diferentes, quer no plano teórico, quer no plano prático, a principal das quais se centra na justificação para a sua própria existência, dado que, no final, todas as empresas são detidas por pessoas singulares e, portanto, pareceria ser suficiente lançar impostos sobre o rendimento ou património dos respectivos sócios/accionistas (incidência económica).

Um bosquejo sobre as razões mais invocadas para a sua aplicação decorre do facto de se considerar que as pessoas colectivas têm um estatuto legal, uma personalidade jurídica, distinta da das pessoas singulares (argumento jurídico-formal); de serem beneficiárias de serviços e infra-estruturas fornecidas pelo Estado, pelo que devem participar no financiamento dos respectivos custos de provisão (princípio do benefício); e de constituírem manifestações patrimoniais e meios de obtenção de recursos financeiros acrescidos face à pessoa dos seus sócios (capacidade contributiva «autónoma»).

Por outro lado, este imposto tem por objectivo garantir a tributação dos lucros gerados, independentemente das opções sobre o momento e montante da sua distribuição (equidade); a respectiva existência possibilita o seu uso como instrumento ao serviço de políticas de estímulo ao emprego (vide, PME’s), ao investimento e ao desenvolvimento regional, às despesas de I&D, etc. (estabilização e crescimento); permite a aplicação efectiva de tributação sobre os não-residentes (princípio da fonte); e, last but not the least,  contribuirá (?) para a redução da evasão e da fraude ao assumir-se como uma antecipação ou «pagamento por conta» do imposto devido ou a pagar pelos titulares do capital/sócios e, por esse facto, é também um veículo de menor «resistência fiscal».

Pelo contrário, apontam-se-lhe como principais inconvenientes, a sua «complexidade intrínseca» (argumento técnico - administrativo); a discriminação que opera entre as diferentes modalidades de financiamento empresarial e de rendimentos de capital (argumento clássico); e, mais recentemente, o seu efeito sobre a competitividade empresarial e a «arbitragem fiscal» entre países, existindo mesmo algumas propostas radicais no sentido da sua abolição (formal ou «implícita»).

A verdade, porém, é que o imposto sobre as sociedades existe em todos os ordenamentos tributários modernos (vide, países da OCDE), ainda que a sua importância relativa a nível internacional, enquanto fonte de receita e instrumento orientável de política económica e fiscal, tenha vindo a atenuar-se devido, nomeadamente, a dois dos factores citados, a saber: busca de maior neutralidade e crescente concorrência fiscal. A sua conjugação manifesta-se de forma elucidativa no seguinte facto: no espaço dos últimos 10 anos, as taxas legais de tributação reduziram-se, em termos médios na UE, cerca de 7 pontos percentuais, passando de 38% para 31%, sendo que as taxas efectivas apresentam, igualmente, um perfil de decréscimo.

A concretização destas tendências vem-se manifestando em Portugal através de medidas que, em idêntico período, reduziram de forma significativa a taxa do imposto em 12 p.p. (de 39,6% para 27,5%, incluindo derrama), bem como procuraram alargar as respectivas bases legais (através da redução de benefícios fiscais e da criação de regimes simplificados) e impor montantes mínimos de imposto (incluindo tributações autónomas).

Aspecto que aparece como surpreendente é o de as receitas do IRC relativamente ao PIB e às receitas totais se apresentarem acima das tendências internacionais, apesar de, como vimos, se assistir a um não-crescimento estrutural do número de contribuintes efectivos. Portanto, uma continuada concentração de imposto num número relativamente reduzido de contribuintes que, deste modo, carregam um fardo (fiscal) eventualmente desproporcionado: segundo dados de 2003, num universo total de 331 mil empresas, 970 pagavam quase 2/3 do total de 2,8 mil milhões de euros liquidados, e escassos 45 contribuintes e grupos de empresas (nos quais se incluem algumas das mais importantes empresas ainda públicas) explicavam 1/3 da receita do IRC!

Assim, e apesar de certo optimismo orçamental, esta situação de potencial instabilidade coloca em stress permanente a receita do IRC, pelo que, atento o contexto nacional e internacional, os tempos futuros, não se avizinham fáceis para os gestores do imposto...

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