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21 de Março de 2006 às 13:59

Eriberto, Francenildo e a História do Brasil

Disse Nélson Rodrigues: «Todas as cidades pecam, menos Brasília. Em Brasília, todos são inocentes e todos são cúmplices.» É mentira. Nem Eriberto nem Francenildo são cúmplices.

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Em 1992 foi um motorista chamado Eriberto. Em 2006 é um caseiro chamado Francenildo. Eriberto denunciou a compra de um carro com o dinheiro do chamado «esquema PC» e assim deu a pista para o estabelecimento de um vínculo material entre o então Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello, e a estrutura de corrupção e de extorsão operada pelo seu ex-tesoureiro de campanha, Paulo César (PC) Farias. Francenildo desmente o actual ministro da Fazenda (Finanças), António Palocci, e afirma que ele frequentava, sim, a «República de Ribeirão Preto», como é conhecida a casa, em Brasília, onde aconteciam reuniões de trabalho e orgias patrocinadas por ex-assessores de Palocci acusados de corrupção.

Eriberto e Francenildo são o que se pode chamar de brasileiros comuns. É gente que, sem procurar nem fazer nada por isso, por circunstâncias perfeitamente banais, acaba por se tornar determinante na história do país.

Sem Eriberto, Collor dificilmente cairia. E o Presidente Luís Ignácio Lula da Silva tem feito o possível (e o impossível) para calar Francenildo. Na semana passada, chegou a conseguir que uma acção cautelar impedisse a tomada de depoimento de Francenildo no Parlamento (o pedido, formalizado por um deputado do PT, foi atendido pelo ministro César Peluso, que chegou a Supremo Tribunal Federal por indicação de Lula). Mas já era tarde demais. O depoimento já tinha começado  e, quando, por força da ordem judicial, foi interrompido, Francenildo já tinha dito que confirmava «até à morte» que Palocci não apenas frequentava, como também era o «chefe» da «República de Ribeirão Preto».

Dois dias depois, as movimentações bancárias de Francenildo eram expostas na revista «Época» e, nelas, aparecem depósitos de 38 mil reais (cerca de 15 mil euros). Francenildo teve que vir a público para esclarecer que se tratava de dinheiro depositado pelo seu pai biológico, que nunca assumiu a paternidade e, com esse dinheiro, procurava evitar que o filho lhe movesse um processo judicial.

Nunca houve qualquer ordem judicial para o levantamento do sigilo bancário de Francenildo. O que se sabe é que a conta bancária do caseiro é da Caixa Económica Federal (subordinada ao Ministério da Fazenda)  e que, quando Francenildo entregou os documentos necessários à sua inscrição no Programa de Protecção de Testemunhas, o agente da Polícia Federal (subordinada ao Ministério da Justiça) que o atendia pediu também o cartão do banco, e com ele ficou durante cerca de 20 minutos.

O que torna essa história ainda mais sórdida é que um dos argumentos considerados para impedir o depoimento de Francenildo no Parlamento foi o risco de que o caseiro expusesse a vida particular do ministro Palocci.

A «barra» enfrentada por Francenildo é muito mais pesada do que a enfrentada por Eriberto. É reconhecido por todos que Collor nunca agiu no sentido de obstruir as investigações que acabaram por o levar à desgraça.

Aliás, parte fundamental dessas investigações foi conduzida pela Polícia Federal.

O paradigma de imoralidade política que, no Brasil, um dia, foi encarnado na figura de Collor está definitivamente superado.

PS:  Disse Nélson Rodrigues: «Todas as cidades pecam, menos Brasília. Em Brasília, todos são inocentes e todos são cúmplices.» É mentira. Nem Eriberto nem Francenildo são cúmplices.

PPS: Viva o povo brasileiro!

PPPS: Carros, rua!

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