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19 de Setembro de 2002 às 15:58

A semana de 35 horas

Trabalhar menos horas, só por si, não resolve nada, nem aumenta a produtividade. Só haverá aumento de produtividade se endereçarmos as questões que estão subjacentes ao actual modelo económico. Por Pedro B. da Camara

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Antes de férias, o PCP, por um lado, e o Bloco de Esquerda, por outro, apresentaram no Parlamento dois projectos de lei que visam reduzir o horário de trabalho em Portugal das actuais 40 horas para as 35 horas semanais.

E, tanto num caso como noutro, os argumentos apresentados vão no sentido de que essa redução geraria melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores e seria um estímulo à modernização das empresas.

Não consta que qualquer dos projectos previsse uma redução proporcional dos salários, o que significa que, reduzindo em 12,5% o horário de trabalho, revalorizavam em igual percentagem o valor da hora de trabalho prestada.

O projecto foi posto em discussão pública, pelo que é oportuno reflectir sobre as consequências que teria na nossa economia.

E a primeira questão que se põe é a de saber se uma redução de horário de trabalho teria algum impacto positivo sobre a produtividade do trabalho ou seja, se trabalhar menos horas estimula a trabalhar melhor.

Não necessariamente. Trabalhar melhor significa, a meu ver, fazer melhor utilização do Capital Humano de que as empresas e organizações dispõem.

E isso tem uma série de pré-requisitos que, por não se terem verificado até agora, redundam na baixa produtividade que aflige a nossa economia.

Os pré-requisitos são, essencialmente, três:

Qualificação da força de trabalho: sem melhor educação e sem um decidido investimento em formação da força de trabalho (nas áreas técnica e comportamental) esta só será capaz de fazer mais do mesmo e não de fazer melhor.

Ora, não se nota neste campo uma modificação da atitude dos empresários, que são os principais interessados neste investimento e que continuam a considerar a formação um custo e a fazê-la em pequena escala, mesmo que co-financiada pelo F.S.E.

E uma modificação desta situação levará anos a conseguir.

Logo, uma redução de horário de trabalho conduziria a uma quebra na produção, numa altura em que isso é incomportável.

Estilo de Gestão: a evolução do estilo de gestão das nossas empresas, dos modelos autoritários e paternalistas predominantes para os participativos, em que se dê autonomia e responsabilidade às pessoas, se encoraje a assunção de riscos e se premeie o bom desempenho é essencial para libertar a criatividade e motivação da força de trabalho e para criar envolvimento das pessoas com o projecto de empresa.

Só assim se conseguirão índices de motivação elevados, que são pré-condição para maior produtividade.

Investimento: ganhos de produtividade passam também por dispor de equipamentos modernos que permitam rentabilizar o Capital Humano.

Também aqui o panorama não é famoso.

O investimento produtivo está em retracção e não se sabe quando ou como recuperará.

Resumindo: trabalhar menos horas, só por si, não resolve nada, nem aumenta a produtividade.

Só haverá aumento de produtividade se endereçarmos as questões que estão subjacentes ao actual modelo económico.

E isso leva tempo, implica uma modificação da estrutura de poder nas empresas e precede qualquer medida deste tipo.

Se isto é assim, poderíamos, pelo menos, supor que uma medida destas constituiria um estimulo á criação de novos empregos que, recorde-se, foi o grande argumento utilizado em França pelo Governo Jospin, quando implementou uma redução idêntica, cuja integral aplicação, possivelmente, não virá a acontecer (actualmente não abrange as PME).

O impacto no emprego seria insignificante, no caso português.

Repare-se que a nossa situação não é similar à francesa.

Em França há uma elevada taxa de desemprego (9/10%), que afecta profissionais qualificados.

No nosso caso, com uma taxa de desemprego da ordem dos 4/5%, estamos quase no pleno emprego e a maioria dos nossos desempregados são estruturais, ou seja, não têm qualificações ou idade para se reinserir na força de trabalho.

Logo, uma redução de 12,5% no horário de trabalho levaria as empresas a pensar em horas extraordinárias, «outsourcing» ou subcontratação antes de considerarem admitir mais pessoas.

Admitir pessoas, com o actual quadro jus laboral, é criar custos fixos por tempo indeterminado, com encargos pesados, numa conjuntura recessiva e de grande incerteza.

Não acredito, portanto, por estas razões, que houvesse redução significativa do desemprego.

Estou mais em crer que haveria decisões de deslocalização da produção para países que tivessem uma política mais favorável, como está a acontecer, aliás, em França.

E que, provavelmente, haveria mais recurso à imigração que é, hoje, a forma barata de resolver as questões de falta de mão de obra.

Resumindo: na actual conjuntura e com a nossa taxa de desemprego, a redução de horário de 40 para 35 horas semanais não teria grande impacto no desemprego.

Obrigaria as empresas a fazer malabarismos – H.E., subcontratação,... – ou a deslocalizar a produção, se isso fosse possível.

Que pensar, então, destes projectos de lei?

Em nosso entender, são exercícios de demagogia e, como tal, lamentáveis. Avança-se com soluções populares e que, aparentemente, vão ao encontro das aspirações da força de trabalho – quem não gostaria de ter um aumento instantâneo de 12,5%, ainda que pela via da redução de horário? – sabendo-se, à partida, que não há condições objectivas para as aprovar, num país que já está na cauda da U.E., no tocante ao custo do factor trabalho por unidade produzida.

Isto obrigará, inevitavelmente, a maioria a chumbar o projecto de lei, com as consequências expectáveis na opinião pública.

Pensam os proponentes, por esta via, aumentar a sua popularidade, como paladinos do povo trabalhador e afundar a da coligação governamental que, fatalmente, será acusada de estar ao serviço do patronato.

É uma forma de explorar a ignorância da generalidade das pessoas sobre as implicações desta medida e de obter maior crispação nas relações de trabalho.

Não vejo que possa ter outra leitura e é pena, porque ajuda a perpetuar a ideia de que podemos ter padrões de vida de país rico, com uma produtividade terceiro mundista.

É, em suma, um mau serviço prestado ao país.

Por Pedro B. da Camara

Professor Universitário e Consultor

Comentários para autor e editor para negocios&estrategia@mediafin.pt

Artigo publicado no Jornal de Negócios – suplemento Negócios & Estratégia

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