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Opinião
03 de Dezembro de 2015 às 00:01

À espera de um dia

Quero acreditar que a sociedade portuguesa será cada vez mais levada a criar condições nas ruas, nas construções, nos utensílios para quem tem mobilidade física muito reduzida.

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1.Teve lugar esta semana no Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão (CMRA) um acontecimento notável. Falo do Simpósio Ibérico (foi mais do que Ibérico) em Lesões Vertebro-Medulares. Foi organizado em conjunto com a Associação Salvador e com o Instituto de Investigação de Ciências da Vida e da Saúde (ICVS) da Universidade do Minho. Participaram especialistas de diferentes partes do mundo e houve intervenções desde muito boas a excecionais sobre a investigação que diferentes instituições do mundo levam a cabo para conseguirem a cura ou a solução para essas tão penosas situações, nomeadamente, a paraplegia e a tetraplegia. 

 

2.Tive ocasião de dizer lá, numas breves palavras de abertura, que se essa doença fosse contagiosa, como, por exemplo, se verificou com o vírus do ébola, o mundo já se teria certamente mobilizado para reunir os fundos necessários que permitissem uma investigação em grande escala para se conseguir rapidamente alcançar as descobertas científicas almejadas.

 

3. O Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão completa no próximo ano 50 anos de existência. Foi lançado e concretizado por um grande Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), o Dr. Melo e Castro. Como se sabe, o CMRA é muito conceituado pelo trabalho que desenvolve. Além deste, Portugal conta atualmente, pelo menos, com três outras unidades que se dedicam a este tipo de reabilitação: uma em São Brás de Alportel (um grupo privado); outra na Tocha (Hospital Rovisco Pais); e uma outra em Vila Nova de Gaia (Santa Casa da Misericórdia do Porto).

 

4. A excelência do trabalho desenvolvido, nomeadamente em Alcoitão, não anda, tanto quanto se deseja, a passo com o trabalho de investigação. O trabalho é muito, as horas são poucas e vai agora ser criado o estatuto de investigador no próprio CMRA que permita que, pelo menos, alguns dos clínicos possam dedicar parte do seu dia de trabalho à investigação no próprio centro.

 

5. Esta semana foram também iniciadas as obras de construção de duas casas modulares, com três quartos cada uma, sala e com uma casa de banho em cada quarto, para pessoas que estejam paraplégicas ou tetraplégicas. Serão casas de transição para um regresso, sempre muito complicado, ao quotidiano da vida em sociedade, porque, naturalmente, as pessoas afetadas por essas situações passam a ter condições muito diferentes e a necessitar de apoios múltiplos. Praticamente, não existem unidades desse tipo. Existe uma casa na Parede da Segurança Social, existe outra perto do Beato de uma fundação privada, mas são casas onde as pessoas tendem a ficar a viver de modo duradouro. Aqui, pretende-se que, estando em conjunto com pessoas que se encontrem em situação equivalentes, sejam apoiadas no dia a dia por uma formação que lhes dê as bases essenciais para lidarem com um quotidiano forçosamente muito diferente.

 

6. Estando nessas casas terão a possibilidade de fazer tratamentos no centro, de serem transportadas à escola ou ao trabalho e de viverem num conjunto que inclui a Escola Superior de Saúde e está inserido numa agradável zona verde. Entretanto, está em ultimação o projeto de construção na antiga fábrica da Nestlé (fábrica de gelados Rajá) em Monsanto, perto do estádio do Casa Pia, do futuro centro de integração para pessoas com estas ou outras fortes dependências físicas.

 

7. Para sermos coerentes com esta aposta muito forte na investigação, tem lugar no dia em que escrevo este artigo a terceira edição da entrega das Bolsas Neurociências, uma na área das doenças degenerativas, que tem o nome de Mantero Belard, e outra, exatamente, na área das lesões vertebro-medulares que tem o nome de Melo e Castro. Até há bem pouco tempo eram as maiores bolsas - 200 mil euros cada - dedicadas exclusivamente à investigação nacional. Nas duas primeiras edições, o júri foi presidido pelo professor João Lobo Antunes, este ano é presidido pela professora Catarina Resende Oliveira.

 

Esta é uma área que, felizmente, a esmagadora maioria das famílias portuguesas desconhece. Mas é uma realidade muito, muito pesada para as famílias e principalmente para as pessoas a quem sucede um acidente que as leva a esse estado. A indiferença social perante os dramas individuais é um fenómeno complexo, sobre o qual não vou tecer considerações valorativas, mas não faz sentido, como disse acima, que a sociedade só acorde verdadeiramente quando tem medo que uma chaga se possa propagar. Gostava que todos os portugueses pudessem ter ouvido as exposições que foram feitas neste simpósio em Alcoitão.

 

Ordenei este artigo por números, contendo cada um pedaços de texto menores do que o habitual, para tentar chamar mais a atenção para esta matéria. Tudo o que se possa fazer para devolver uma vida normal, tanto quanto possível, a quem foi atingido por esta realidade, é pouco. Por exemplo, as campanhas preventivas sobre os mergulhos em praias e em piscinas, pelos dados que temos, têm permitido minorar a dimensão dessa tragédia que atinge principalmente gente jovem.

 

Temas como este não fazem parte, normalmente, dos assuntos debatidos em campanhas eleitorais. Mas quero acreditar que a sociedade portuguesa será cada vez mais levada a criar condições nas ruas, nas construções, nos utensílios para quem tem mobilidade física muito reduzida e acredito, principalmente, que um dia será descoberta a cura para as lesões vertebro-medulares, para a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), para outras escleroses, para essas e outras situações que abalam profundamente a vida de seres humanos. Quanto mais esforços se fizerem, quanto mais meios se reunirem, mais depressa esse dia chegará.

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

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