Opinião
Marques Mendes: Isabel dos Santos tem tudo contra si
As habituais notas da semana de Marques Mendes, no seu espaço de comentário na SIC. O comentador fala sobre o cerco a Isabel dos Santos, a vitória de Rio e o futuro do PSD, entre outros temas.
O CERCO A ISABEL DOS SANTOS
- O que acaba de ser divulgado em Portugal e em mais países (Luanda Leaks) é um verdadeiro tsunami em cima de Isabel dos Santos. Um tsunami mediático. Isabel dos Santos está literalmente cercada. O cerco começou na justiça angolana, com o arresto de bens. Ganha agora um folego ainda maior com esta denúncia informativa.
- A partir de agora Isabel dos Santos tem tudo contra si e as consequências podem ser sérias:
- Tem contra si a opinião pública angolana e internacional. Se já antes não era popular, agora torna-se altamente impopular;
- Tem contra si as autoridades angolanas. No futuro, terá também à perna as autoridades judiciais e os reguladores de vários outros países.
- Vai ter problemas sérios nas suas várias empresas. Vai ter seguramente administradores que abandonam o seu grupo empresarial. Gerir as suas empresas a partir de agora será uma enorme dor de cabeça.
- E, finalmente, não lhe vale de nada fazer-se de vítima ou invocar perseguição política. Aos olhos da opinião pública, ela não é vítima. É ré. Ela não é perseguida. É privilegiada.
- Aqui chegados, só lhe resta uma solução: a via da negociação. Negociar com as autoridades angolanas é o seu último recurso. Eu diria mesmo que é a única forma de tentar salvar uma parte do seu império.
- Já não vai ser fácil. Se tivesse negociado antes, teria sido mais inteligente. Mesmo assim pode beneficiar de uma nesga de oportunidade: é que a Angola também interessa negociar. Depois da "guerra" com Isabel dos Santos, Angola quererá a "paz" para acalmar o ambiente e atrair investimento externo.
- Situação em Portugal – Tudo isto pode ter também reflexos sérios em Portugal. Isabel dos Santos tem uma forte presença empresarial no nosso país. Desde logo um banco. E um banco é uma instituição muito sensível. A esta hora já as autoridades portuguesas deviam estar a pressionar Isabel dos Santos para vender a sua posição no Eurobic. Antes que seja tarde de mais. Nestas matérias é melhor prevenir que remediar.
A VITÓRIA DE RIO
- É uma vitória clara e inequívoca. Uma vitoria clara nos números, mas sobretudo uma vitória clara no plano político. Rio disputava estas directas no pior momento da sua liderança – depois de duas pesadas derrotas eleitorais. Corria o sério risco de perder. Basta ver os exemplos do passado. Com resultados não tão maus quanto os de Rio, Manuela Ferreira Leite e Pedro Santana Lopes abandonaram a liderança. Rui Rio, em piores circunstâncias, não só não abandonou como se recandidatou e ganhou. Tem mérito indiscutível.
- Quais os méritos de Rio? Sobretudo três:
- Primeiro, sempre que se sente acossado, Rui Rio suplanta-se. Ele é melhor quando está sob pressão do que quando navega em tempo de acalmia. Foi assim há um ano e voltou a ser assim um ano depois.
- Segundo, foi politicamente hábil ao conseguir desviar as atenções daquele que era o seu maior calcanhar de Aquiles – as pesadas derrotas nas Europeias e nas Legislativas. Esta questão não foi o tema essencial da campanha e isso beneficiou-o. No único debate que houve discutiu-se mais a Maçonaria que as duas derrotas eleitorais do PSD.
- Terceiro, controlou o aparelho partidário na perfeição. Foi muito profissional. E aqui bem pode agradecer ao seu vice Salvador Malheiro. Ele foi uma espécie de anjo-da-guarda de Rui Rio.
- O demérito dos adversários. Montenegro e Pinto Luz fizeram campanhas dignas. E Montenegro, mesmo derrotado, tem um resultado importante. Mas tiveram falhas sérias.
- Primeiro, exibiram excesso de confiança. Subestimaram Rui Rio.
- Depois, dividiram-se em vez de se unirem. Unidos teriam tido outra dinâmica de vitória.
- Finalmente, faltou-lhes política. Não politizaram suficientemente esta eleição. Faltou-lhes iniciativa política, faltou-lhes combate político, faltaram-lhes causas políticas. E a verdade é que sem forte combate político não se consegue fazer a mobilização e a mudança.
O FUTURO DO PSD
- A grande novidade é que provavelmente Rio acabou de ser eleito não para 2, mas para 4 anos. Até às eleições legislativas. Será candidato a PM. Fácil de explicar.
- Primeiro: a partir de agora a oposição interna acabou. Pode haver uma crítica ou outra mas oposição organizada e com liderança própria acabou. Rio controla o Grupo Parlamentar e o aparelho partidário. Terá o partido à sua imagem e semelhança.
- Segundo: o único grande teste eleitoral que vai ter pela frente – as autárquicas de 2021 – não será grande problema. Pode até não ter um resultado brilhante. Mas como o PSD teve em 2017 um resultado eleitoral muito mau, qualquer melhoria já será uma vitória.
- Terceiro: as circunstâncias exteriores são-lhe favoráveis. Não é que vá fazer uma oposição melhor ou mais eficaz do que fez até hoje. Mas a sua grande vantagem é que a partir de agora o Governo vai entrar em curva descendente. À medida que o tempo passa o desgaste do Governo é cada vez maior.
- Conclusão: daqui a 2 anos, nas próximas eleições internas, provavelmente Rui Rio não vai ter um adversário de relevo. A sua nova reeleição será tranquila. Até por uma outra razão: estas eleições provaram que quem não controla o aparelho perde. E quem melhor controla o aparelho é quem está no poder.
- O desafio maior de Rio é este: naquilo que não depende de si, Rui Rio vai ter melhores condições. Falta saber se naquilo que depende dele vai conseguir ter melhores resultados.
- Ou seja:
- Subir nas sondagens;
- Evitar o crescimento do Chega e do Iniciativa Liberal;
- Construir uma alternativa de centro e centro-direita;
- Ganhar o país.
- Uma coisa é certa: terá menos alibis. A começar pelo alibi das críticas internas. Deu-lhe deu imenso jeito. Basta pensar que, desde o célebre Conselho Nacional de Janeiro de 2019, Rio teve paz interna e mesmo assim perdeu clamorosamente Europeias e Legislativas. A crise dos professores, culpa de Rio, tirou mais votos ao PSD que as guerras internas.
O CONFLITO LIVRE/JOACINE
Esta "guerra civil" entre Joacine e o Livre é um desastre. Ambos perdem. Joacine tem andado mal. Muito mal. Mas o que o Livre agora quer fazer – retirar-lhe a confiança política – é ainda pior.
- Primeiro – É o reconhecimento de um falhanço. Foi o Livre que esclheu a sua deputada. E, ao escolhê-la, já sabia quem escolhia – escolhia uma deputada populista, egocêntrica, deslumbrada e indisciplinada. Portanto, agora é tarde para se queixar. Quem semeia ventos colhe tempestades.
- Segundo – Sem Joacine, sem o seu populismo mediático e sem a empatia que ela gerou na opinião pública, o Livre provavelmente não elegia ninguém. Também por isso o Livre não pode queixar-se. O mérito da eleição é muito mais da deputada que do partido.
- Terceiro – A imagem que o Livre dá para o exterior é fatal. Para uns, é a imagem de um partido leviano e precipitado nas escolhas que faz; para outros, é a imagem de um partido intolerante nas práticas que exibe, designadamente para os seus deputados; para todos, é a imagem de um partido sem líder nem liderança.
- Conclusão: pior era impossível. Ambos – Livre e Joacine – estão a suicidar-se em público e em directo.
PACTO ECOLÓGICO EUROPEU
- Há anos que dizemos duas coisas: primeiro, que a Europa não tem causas nem objectivos; depois, que, apesar de o planeta se estar a degradar, pouco se faz em matéria de clima, ambiente e desenvolvimento sustentável.
Em grande medida isto é verdade. Mas agora deixou de o ser. A UE acaba de criar o Pacto Ecológico Europeu e esta semana aprovou os instrumentos financeiros para o aplicar (Mecanismo e Fundo para a Transição Justa).
- O que é que isto significa?
- Primeiro: significa que a UE passa a ter pela frente uma causa ambiciosa que há anos não tinha – trabalhar para ser, o mais tardar em 2050, o primeiro continente neutral em termos carbónicos. Com impacto neutro no clima. O Pacto Ecológico é o pacote de medidas para permitir às empresas e aos cidadãos fazer a transição para este modelo de desenvolvimento.
- Segundo: significa que passamos a ter uma oportunidade de construir o desenvolvimento sustentável. Nós hoje temos desenvolvimento. Só que é um desenvolvimento à custa da degradação do ambiente, do território, dos oceanos, da biosfera. Mudar o nosso modelo de desenvolvimento não é uma moda. É uma reacção aos os fenómenos climáticos extremos que temos pela frente.
- Terceiro: significa, em termos práticos, que é preciso um grande investimento para fazer a reconversão de unidades industriais com elevadas emissões de CO2, que dependem muito do carvão e dos combustíveis fósseis em geral – trata-se de descarbonizar, regenerar ambientalmente e promover o desenvolvimento sustentável.
- Finalmente: significa ter a UE a liderar pelo exemplo. O exemplo de ter a Europa na vanguarda do desenvolvimento sustentável; o exemplo de dar voz aos cidadãos, sobretudo aos jovens; o exemplo de criar as condições para que as gerações vindouras possam herdar um planeta defendido e salvaguardado. É um imperativo ético e de cidadania.