Opinião
Marques Mendes: Forças de Segurança "têm de estar fora da luta política"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala sobre a operação policial no Martim Moniz e o estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre imigração, entre outros temas.
PORTUGAL EM ALTA NA UE
1. Teresa Anjinho é a nova Provedora da Justiça Europeia. Foi eleita por uma maioria expressiva no Parlamento Europeu. É uma notícia inesperada para muitos. Mas é a prova de duas coisas:
· Primeiro, da qualidade de Teresa Anjinho. Já foi Deputada, Secretária de Estado, Provedora de Justiça Adjunta. Em todos os lugares deixou sempre uma marca de competência, solidez jurídica e intelectual e credibilidade.
· Segundo, esta eleição é também a prova de que hoje o prestígio de Portugal é grande no plano europeu e internacional. Somos vistos como um país estável, credível e confiável. E isto é uma mais-valia para um país da nossa dimensão.
2. Mas há uma outra boa notícia para Portugal esta semana: o país subiu dois lugares no ranking europeu do PIB per capita. São resultados divulgados pelo INE, relativos a 2023, e que mostram o seguinte:
· Portugal ultrapassou a Polónia e a Estónia no PIB per capita. Melhorou em dois lugares, a sua posição no ranking europeu. Estamos agora na 18ª posição. Antes estávamos no 20º lugar.
· Estamos assim a convergir com a UE: a 80,5% do PIB médio. Este é o melhor desempenho de Portugal desde 2010.
· Cá dentro, há 3 regiões com um PIB per capita superior à média nacional: Lisboa, Madeira e Algarve. No fim do ranking, Setúbal e o Oeste são as regiões com o PIB per capita mais baixo.
3. Os resultados de Portugal no plano macroeconómico, são positivos. Mas a vida das pessoas continua difícil. Por isso, não se compreende, por exemplo, que as pessoas deixem de ter a possibilidade de em 2025 resgatarem sem penalização os seus PPR para amortizarem crédito á habitação. Esta medida devia ser renovada, pelo menos mais um ano.
BARÓMETRO DA IMIGRAÇÃO
1. A Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou esta semana o chamado Barómetro sobre a imigração. Este trabalho é verdadeiro serviço público. Alguns resultados surpreendem. Outros nem tanto.
· Cerca de 2/3 dos portugueses consideram que os imigrantes são fundamentais para a economia. Não surpreende. Sem mão-de-obra estrangeira, o país não consegue sequer executar o PRR.
· Mais de 2/3 dos portugueses consideram que é necessária mais regulação. Também não surpreende. É o que tem faltado. Daí a negociação que está a ser feita entre Governo e confederações para uma política de entradas regulada e integrada (com garantias de emprego, formação, habitação e ensino da língua).
· Quase 2/3 dos inquiridos "torcem o nariz" a imigrantes vindos do subcontinente indiano. Preferem imigrantes vindos do ocidente ou dos PALOP. Esta conclusão também não surpreende. Há culturas diferentes e tradições diferentes.
2. O que mais surpreende é a conclusão sobre a Segurança Social. Aqui, sim, há uma diferença abissal entre a perceção e a realidade:
· Metade dos inquiridos acham que os imigrantes recebem da Segurança Social mais do que contribuem. Os números oficiais mostram o contrário. Em 2023, a diferença entre o que os imigrantes pagaram e receberam da SS foi de 2,2MM euros a favor da SS. Os imigrantes estão a ajudar a pagar as nossas pensões.
3. Há uma conclusão geral a retirar deste barómetro: há uma tendência crescentemente negativa em relação á imigração. O que pode ser preocupante porque o país precisa de imigrantes. Esta tendência só se combate por duas vias: melhor regulação e mais debate. Atirar os problemas para debaixo do tapete nunca é solução.
OPERAÇÃO NO MARTIM MONIZ
1. Perante as críticas a esta operação até parece que é algo de inédito. Não é. Operações similares aconteceram várias vezes no passado. Com vários governos. E também com várias pessoas encostadas á parede e a serem revistadas. Aconteceu, por exemplo, em julho de 2022, no Cais do Sodré. Ao tempo do governo anterior. Todas, em qualquer caso, devem respeitar três princípios: necessidade, legalidade e proporcionalidade.
· Necessidade. Esta operação era absolutamente necessária. Havia queixas e suspeitas. De tráfico de droga e de outros crimes. Até alguns autarcas se tinham queixado. Não se pode pedir mais intervenção da polícia num dia, e criticá-la no dia seguinte, quando tal intervenção acontece.
· Legalidade. Aparentemente, esta operação também foi legal. Foi validada pelo MP e acompanhada por um Procurador.
· Proporcionalidade. Os meios utilizados foram proporcionais aos fins que se pretendiam alcançar? Ou, ao contrário, houve um exagero de meios? A PSP já deu explicações. E a PSP move-se por critérios de profissionalismo. Não por regras políticas. Mas se há dúvidas, peçam-se explicações adicionais.
2. Há uma última questão que importa realçar: a necessidade de moderação política. É preciso fazer um apelo à moderação política.
· As forças de segurança não são do governo nem da oposição. São do País. Podem ser escrutinadas. Mas não devem ser saco de boxe da luta política. Têm de estar fora da luta política entre oposição e governo.
· Os dirigentes políticos têm o direito de criticar. Mas têm o dever de evitar discursos polarizadores e radicais. Devem procurar o equilíbrio e a moderação. Não se deve partidarizar a segurança.
CRISE NA MADEIRA
1. É tudo mau nesta crise na Madeira.
· Primeiro, o clima de instabilidade. Fazer eleições de seis em seis meses não é solução. Nem na Madeira, nem nos Açores, nem no Continente.
· Segundo, a incoerência. O PS disse sempre que não faria entendimentos com o Chega. Até criticou o PSD por ter feito acordos com o Chega nos Açores. Agora, de repente, acabou a fazer basicamente o mesmo.
· Terceiro, a divisão interna no PSD. Há anos que o PSD está dividido na Madeira. Fazem congressos e eleições internas. A seguir, a divisão mantém-se. Para um partido de governo, não é saudável nem credível.
2. Mas o mais grave de tudo isto é que a Região, tal como o país, não pode passar a vida em dissoluções e eleições antecipadas. As crises evitam-se e previnem-se.
· O Representante da República na Madeira está agora a ouvir os partidos para ver o caminho a seguir. Mas isto é uma mera formalidade burocrática. É só para cumprir calendário.
· Ouvir os partidos e exercer uma magistratura de influência para tentar evitar uma crise era antes de ela acontecer. E esta crise estava pré-anunciada há mais de um mês. Houve mais do que tempo para tentar fazer pontes e tentar construir uma alternativa a mais uma dissolução.
· É a isto que eu tenho chamado "construir pontes". É preciso construir pontes. Pelo menos, tentar influenciar nesse sentido. O país político tem de ser mais pró-ativo.
GOVERNO E PR: DIVERGÊNCIAS?
1. A propósito dos discursos que PR e PM fizeram nos cumprimentos de Natal, surgiram algumas especulações sobre alegadas divergências entre os dois órgãos de soberania. Montenegro falou de cooperação institucional. Marcelo recordou que é preciso convergência estratégica. Esta diferença retórica não me parece significar qualquer divergência política. É apenas retórica.
2. Em qualquer caso, o importante sublinhar é que, sobretudo na fase em que vivemos, qualquer divergência de fundo entre PR e Governo seria má para todos. Todos perderiam. A começar pelo País.
· Primeiro, há demasiada incerteza e instabilidade lá fora. Seria um erro acrescentar instabilidade institucional cá dentro à instabilidade que vem do exterior. Do que precisamos é de cooperação. Não de instabilidade.
· Segundo, o segredo do sucesso de um país com a dimensão de Portugal está na convergência e na unidade. Não na divergência e na desunião. Convergências nas causas essenciais: UE, lusofonia, abertura ao mundo, crescimento económico, combate à pobreza e desigualdades sociais. E em várias outras.
· Terceiro, o diálogo político, nesta fase de fragmentação parlamentar e partidária, é absolutamente essencial. O diálogo PR/Governo. E Governo/PR. Tal como o diálogo interparlamentar. Esta é a única forma de construir pontes de entendimento. E estas são essenciais para vencer impasses e ultrapassar bloqueios.