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[757.] Descodificando a fotopropaganda de Merkel

Se Merkel divulgou a foto no Twitter, é porque servia a percepção que pretendia passar para os alemães e para o mundo a seu respeito e da sua política.

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Trata-se de uma das mais divulgadas e celebradas fotos duma cimeira internacional. O seu poder de interpelação foi suficiente para originar centenas de reutilizações intertextuais com humor, bem como imensas interpretações nos media, algumas aberrantes, ligações estranhíssimas a outras imagens, sugestões incríveis que os analistas têm dentro das suas cabeças.

 

A interpretação mais consensual foi a de ver Merkel numa posição de poder em relação ao Presidente americano. Essa interpretação, a que interessava a Merkel, não resiste, porém, à realidade visível numa observação cuidada da foto.

 

A disposição das pessoas é a de um momento informal na cimeira do G7, tão diferente das habituais imagens encenadas. Vêem-se 15 pessoas na foto, muitas, tendo em conta o espaço. Só uma está sentada, Trump. A imagem não explica porque está sentado. As 15 pessoas parecem desorganizadas, mas a sorte ou a arte do fotógrafo permitiram que estejam em semicírculo (uma forma organizada) e parecendo arrumadas em grupos. Do lado direito, no grupo que apresenta a narrativa, há quatro pessoas, incluindo May e Macron. Depois está Merkel, destacada, como que emergindo desse grupo, mas já fora dele. Segue-se um segundo grupo de quatro, se descontarmos o homem de que só vemos o cabelo por trás de Merkel. Neste grupo destaca-se Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês, mas também o político japonês à sua direita, pelo facto de estar quase ao centro da imagem e de olhar para o fotógrafo, e, portanto, para o observador, o que constitui um elemento adicional de atracção para a foto; à direita, novo grupo de quatro pessoas, em pé, incluindo, já "de saída" da foto, uma mulher que parece comunicar com um homem tapado por outro. Neste grupo, destaca-se John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, com a boca ligeiramente aberta. E, separado, o Presidente dos EUA.

 

No semicírculo, Trump destaca-se por ser o único sentado; Merkel destaca-se por estar ligeiramente separada do seu grupo e com o vector do olhar em direcção a Trump. Mas não só: Merkel está mais iluminada do que os restantes; destaca-se também pela posição, com as mãos na mesa e o tronco ligeiramente inclinado para a frente, o que a "lança" para o centro da foto. Apesar de o centro geométrico estar no cotovelo direito de Abe, é o braço esquerdo de Merkel que transmite solidez por formar a coluna central da foto.

 

O vector do olhar de Merkel dá destaque a Trump, que, sentado e de braços cruzados, pôde ser comparado a uma criança mimada; todavia, a atitude de Trump é idêntica à de Abe: ambos ouvem alguém. Merkel? Não.

 

Um aspecto essencial escapou a toda as análises, gracejos e interpretações, correctas ou aberrantes, que vi e li. De facto, não há contacto visual entre Merkel e Trump, porque não é Merkel quem fala, é Macron. Trump olha para ele, como, aliás, Abe e Bolton. O Presidente francês olha directamente um deles. É provável que Merkel não estivesse sequer a olhar para Trump, mas para algo à direita dele.

 

Macron é o protagonista da realidade fotografada, mas Merkel é a protagonista da foto. Macron divulgou uma foto alternativa do momento para pôr os pontos nos ii: vista com cuidado, percebe-se que é ele quem fala, é ele o centro da atenção.

 

Ele e Merkel, os dois com mãos na mesa, formam um conjunto na foto "merkeliana", que, interpretado, representa o núcleo central da União Europeia. May é como se não existisse. Merkel parece dominar Trump e o G7. Foi essa a propaganda que a chanceler quis passar ao divulgar a foto que enganou milhões.

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