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[650.] Bloco de Esquerda

Um cartaz de publicidade política do Bloco de Esquerda pôs o país a falar. Comecemos pela própria propaganda. O Bloco desculpou-se que não era um cartaz, pois não o colocou pelas ruas.

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Isso mostra como, para gerir os danos, o Bloco recorreu à demagogia de um argumento conservador: esta mensagem pictórica, mesmo que apenas na internet, tem o formato de um cartaz, a linguagem visual de um cartaz e pretendia ser um cartaz. É um cartaz, e o BE sabe-o bem.

 

O cartaz usa uma imagem do Sagrado Coração de Jesus disponível na internet. Retirou-se-lhe a auréola, claro, e o azul do manto. Foi alterada para ficar propositadamente kitsch, não o kitsch da imagem original, mas o kitsch moderno da geração Bloco: um encarnado vivo em contraste com o negro, para gozar, manchas verde-alface, amarelo forte e cor-de-rosa berrante. Ao lado da imagem de Jesus, a frase principal diz: "Jesus também tinha 2 pais." Por baixo, o Bloco assinalava o que para si foi uma data histórica e, reconheçamo-lo, um pouco histérica: "10.02.2016. Parlamento termina discriminação na lei da ado[p]ção."

 

As razões da ofensa pública são duas: o uso da imagem de Cristo para uma propaganda política, e concretamente numa mensagem a respeito da aprovação de uma lei a que muitos católicos se opuseram; e a frase principal. O Bloco não se ficou por "Jesus tinha dois pais", mas acrescentou-lhe um "também" que claramente associa Jesus Cristo a casais homossexuais que serão, pelo discurso público, os principais beneficiários da nova lei da adopção.

 

O cartaz visava, pois, ter piada, mas também ofender. Tratou-se menos de celebrar a aprovação duma lei votada pelo partido do que de achincalhar os que já haviam sido ofendidos com a sua aprovação: os católicos. O uso, aliás ilegal, da imagem religiosa para fins políticos, e a associação da família de Jesus, que é um momento dos Evangelhos muito importante para o catolicismo, a um casal homossexual, pretenderam rebaixar a oposição da sociedade civil à nova lei utilizando a sua religião, para a magoar ainda mais. Do ponto de vista ético, o acto do Bloco é abaixo de cão. Usufruiu da liberdade de expressão para um dos momentos mais estúpidos e vergonhosos da história da propaganda política em democracia. Também foi uma estupidez um abaixo-assinado visando a proibição do cartaz, dado que o Bloco tem toda a liberdade para ser estúpido. Nem era necessário: a oposição à mensagem foi enorme, incluindo dentro do Bloco. Foi pena não se ter ouvido Fernando Rosas, que em 2006 lamentou as caricaturas dinamarquesas de Maomé porque poderiam ofender muçulmanos. Desta vez ficou calado. A estupidez do Bloco alienou por muito tempo a simpatia que muitos católicos poderiam dedicar-lhe.

 

Vejamos o antes do cartaz. Os agnósticos ou ateus do Bloco autores da piada, apesar de militantes de tipo fanático das suas próprias causas, não percebem a importância que a crença tem para quem é religioso e confundem o político com o religioso. Apesar de as duas dimensões amiúde se cruzarem, são bem distintas. Quiseram apenas achincalhar e humilhar os derrotados, depois da derrota, revelando, mais do que infantilismo, fanatismo e espírito de vingança antidemocrática. Mas também foram infantis, no sentido do "esquerdismo, doença infantil do comunismo", assim definido por Lenin. Não pensaram nas consequências. O Bloco, incluindo Catarina Martins, que aprovou o cartaz, comportou-se como o grupinho trotsquista-hoxhista que era há quinze anos e não o partido que apoia o Governo e que gostaria muito de lá estar, com a votação expressiva que obteve nas legislativas. Revelou a sua natureza radical e jacobina.

 

E chegamos ao depois. As redes sociais não perdoaram. A prolífica invenção em redor do cartaz teve mais graça do que o original, e sem ofender ninguém. O Bloco recuou, mas tarde demais. 




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