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Baptista Bastos - Cronista b.bastos@netcabo.pt 14 de Março de 2014 às 09:53

O manifesto que desassossega

O Manifesto dos 70 desassossega quem não anda tranquilo; por isso, não é de espantar as críticas dessoradas, de uma nota só, provindas de gente que apenas repete o que lhe disseram para dizer.

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Ninguém de boa consciência e recto juízo acredita que Sevinate Pinto e Vítor Martins, tomados de terrível arrependimento, pediram a exoneração das funções de "conselheiros" do dr. Cavaco, depois de assinarem o Manifesto dos 70. O "Jornal de Notícias", sem camuflar as palavras, diz secamente que "foram despedidos" e creio ser esta a fórmula mais acertada de falar da questão.


O Manifesto é uma exautoração clara da política do Governo, apoiada com entusiasmo pelo actual habitante de Belém. E, também, uma advertência da incapacidade de o problema português se resolver com a simplicidade com que o dr. Cavaco diz que vai ser. O documento, assinado por nomes importantes da sociedade, nos diversos domínios do saber e da política, entre patrões e especialistas, professores e técnicos, torna evidente que o "rumo" proclamado com inaudito fervor pelo Executivo é um trágico empurrão para a Rocha Tarpeia. Na opinião dos subscritores, o estrangulamento vai prosseguir, a miséria não vai parar, a juventude vai embora daqui para fora, os velhos que se enredem, os desempregados que morram de fome, e por aí fora. São 70, mas podiam ser muitos mais.


Os costumeiros defensores desta política logo saltaram, num uníssono insuspeito porque vem de quem vem. Não é uma questão de opiniões divergentes. É um caso de indigência mental, como disse um comentador, dos poucos recalcitrantes; de desonestidade intelectual ou de oportunismo dos que não querem perder as benesses de que usufruem. Passos Coelho, então esse, manifestou, sem dissimulação, a fúria que se lhe apossou, e, em declarações tão fúteis como extremamente desagradáveis, não discutiu, não questionou, não dialogou.


Porque o documento é, antes de tudo, uma reflexão para proposta de diálogo; um aviso, acaso inquietante mas sério, de que há outros caminhos para se solucionar o problema. Note-se que não põe em causa as anomalias do sistema capitalista; não analisa as razões, cada vez menos obscuras, da crise geral que está a arrastar muitas nações para a perplexidade e para o desespero; e para o esclarecimento do enriquecimento da Alemanha, do domínio dos bancos e das fortunas colossais; da fome e do infortúnio que se espalham endemicamente. Nem podia ser de outro modo, dada a diversidade ideológica, cultural e de perspectiva dos signatários.


Sevinate e Martins foram os bodes expiatórios desta insignificância arrogante e poderosa que nos submete. E a destituição de que foram objecto também reflecte a soberba de um medíocre encolerizado, que nos coube no caminho, que não ouve quem sabe, que enrola as frases em estribilhos desarvorados; um homem inculto, ignorante de História e da simples teoria do conhecimento, que não resiste à mais vulgar sabatina, e que se vinga como um adolescente amuado.


O perigo também vem dali e não só de Passos Coelho. A ignorância no poder é uma chaga que leva tempo a apagar. O Manifesto dos 70 desassossega quem não anda tranquilo; por isso, não é de espantar as críticas dessoradas, de uma nota só, provindas de gente que apenas repete o que lhe disseram para dizer. Até neste caso, o Manifesto revelou, uma vez ainda, o monocórdio do tom de um ideário sem grandeza, mas com risco ameaçador.


Ao "sanear" dois "conselheiros" dissentes do que afirma, o dr. Cavaco avisa-nos do que se move nos seus instintos. Acaso pudesse, saneava todos aqueles que protestam, e ele e os seus ficavam, finalmente, com um país de silêncios e de aquiescentes.

 

b.bastos@netcabo.pt

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