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Esta fiscalidade não é verde!

A portaria que procedeu ao aumento dos combustíveis justifica a alteração do ISP por razões ambientais ("impactos negativos adicionais ao nível ambiental") e económicas ("volume das importações").

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Do ponto de vista ambiental, este aumento não se baseia nos pressupostos - esses sim de natureza ambiental - que presidiram à criação e implementação da Reforma da Fiscalidade Verde no início de 2015. De facto, essa reforma não se limitou a proceder a um aumento "cego" dos combustíveis. Ao invés, integrou a criação de uma taxa de carbono num amplo leque de medidas transversais nos sectores da energia e transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, tendo introduzido novos regimes de tributação dos sacos plásticos e de incentivo ao abate de veículos em fim de vida.

 

Os efeitos ambientais e económicos foram detalhada e antecipadamente aferidos usando quatro modelos tecnológicos e económicos aplicados à economia portuguesa. Com base nos resultados destes modelos, divulgados publicamente, foi criada uma taxa de carbono que se traduziu num adicionamento resultante da aplicação de uma taxa calculada como média aritmética do preço dos leilões de licenças de emissão de gases de efeito de estufa, realizados no âmbito do Comércio Europeu de Licenças de Emissão.

 

Esta nova taxa tem a virtualidade de estar indexada à cotação do carbono que reflecte o nível de emissões de CO2. Ou seja, na medida em que a cotação do carbono seja mais alta, significa que se verificou uma maior procura que se traduzirá num potencial aumento de emissões, o que justificará um aumento da taxa. Aqui sim, o aumento do preço dos combustíveis reflecte a necessidade de internalizar os custos que as emissões têm para a sociedade.

 

Diga-se que a taxa de carbono foi já revista pelo Governo, reflectindo a variação da cotação do CO2 de 5 euros/ton. para 6,67 euros/ton. que se traduziu num adicionamento de 1,5 cêntimos por litro na gasolina e 1,7 cêntimos por litro no gasóleo desde o passado dia 1 de Janeiro.

 

No que concerne ao enquadramento económico deve atender-se ao facto de que o aumento dos combustíveis será necessariamente repercutido na generalidade dos preços dos bens de consumo. Não serão apenas as empresas de transporte rodoviário de mercadorias a repercutir na cadeia de consumo os custos por si suportados, uma vez que a rede de distribuição de bens de consumo em Portugal assenta também em frotas próprias de veículos das empresas que, nessa medida, farão repercutir nos consumidores finais os custos adicionais incorridos com os combustíveis.

 

Mesmo para as empresas de transporte rodoviário de mercadorias, a medida compensatória anunciada de majoração em 20% na dedução como custos para efeitos de determinação do lucro tributável não é novidade, uma vez que este benefício já se encontra previsto no artigo 70.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, introduzido pelo OE para 2009 e em vigor, de forma permanente, desde o OE para 2012!

 

Acresce que a regressividade dos impostos indirectos acentua-se de forma directa com a materialidade do aumento. O aumento de 1,5 cêntimos por litro que resultou da Reforma da Fiscalidade Verde não é comparável com o aumento de mais de 7 cêntimos agora implementado.

 

Uma das mais importantes conclusões a que o grupo técnico que avaliou os efeitos ambientais e económicos da tributação do carbono através dos referidos modelos tecnológicos e económicos chegou foi a de que o aumento da tributação indirecta sem uma adequada estratégia de "reciclagem" da receita, ou seja, sem uma clara afectação da receita obtida para a redução de outros tributos tem um impacto fortemente negativo quer na criação de emprego, quer no PIB, quer na dívida pública. Ora, neste momento, parece claro que o OE para 2016 está longe de garantir a necessária neutralidade fiscal.

 

Qualquer aumento da tributação da energia tem efeitos significativos na actividade económica do país, pelo que deveria ter sido antecedida de uma profunda análise dos seus efeitos na economia.

 

A isto se junta a imprevisibilidade da receita fiscal que caracteriza a tributação indirecta e que introduz um factor adicional de incerteza e insegurança orçamental.

 

Neste contexto, poder-se-á justificar o aumento dos combustíveis por opções de natureza política, mas o enquadramento ambiental e económico da medida está longe de se mostrar claro aos olhos dos portugueses.

 

Advogado, membro da Comissão para a Reforma da Fiscalidade Verde

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