Opinião
"Real clear politics"
No XX Congresso do Partido Socialista ocorrido nos últimos dias de Novembro de 2014, a actriz Maria do Céu Guerra subiu ao palco para ler o nome das mulheres assassinadas naquele ano, vítimas de violência doméstica.
Nesse mesmo ano, António Costa, na sua mensagem de Natal, referiu-se a 2015 como o "ano em que teremos a oportunidade de começar um caminho de mudança" com destaque para "combater fenómenos que nos envergonham, como a violência doméstica".
No mesmo conclave, foi dada primazia a outra questão: o combate às desigualdades sociais.
Este tema foi igualmente focado na mesma mensagem de Natal por António Costa quando se referiu a "uma mudança para nos empenharmos num país com menos desigualdades e onde a cada um seja dada a sua oportunidade, onde o acesso à saúde à educação de qualidade não seja só para alguns".
Volvidos mais de 4 anos, e prestes a atingir o final da legislatura, importa fazer uma análise dos resultados das duas maiores prioridades sinalizadas em 2014 pelo partido que haveria de formar o actual Governo.
Quando à violência doméstica as notícias que nos assolam quase diariamente são inexoravelmente reveladoras de que o Governo falhou em toda a linha na prevenção deste flagelo e vem agora, como é seu apanágio, apresentar uma série de medidas apressadas para tentar fazer crer que agora é que vai tentar resolver a questão.
Prova disso, foi a declaração do Presidente da República publicada no site oficial da Presidência no Dia Europeu das Vítimas de Crime, 22 de Fevereiro último, onde se pode ler "nas últimas semanas, Portugal tem acordado com tristes notícias sobre o brutal aumento da violência doméstica, do qual já resultaram 12 mortes trágicas. São notícias chocantes para todos nós (...)".
Quanto às desigualdades sociais, Portugal continua a ser um dos países com maior pobreza e maiores níveis de desigualdade na Europa e em que de acordo com o Eurostat, cerca de 1/4 da população está em risco de pobreza ou exclusão. O aumento acentuado dos impostos indirectos, os quais não atendem à condição pessoal ou familiar de cada pessoa ou agregado e a degradação acelerada dos serviços públicos terão contribuído decisivamente para aprofundar o problema.
Prova disso, foi o artigo de opinião de Maria de Lurdes Rodrigues, publicado no "Diário de Notícias" em 7 Março de 2018, onde se pode ler "a persistência de níveis elevados de desigualdade em Portugal não é "apenas" injusta como constitui também um forte obstáculo à modernização e desenvolvimento do país", referindo-se a Portugal como "uma das sociedades mais desiguais da União Europeia".
Quando na Assembleia de República se discutem as "fake news" e se aprova um projecto de resolução que recomenda ao Governo a adopção de medidas de combate à desinformação, não seria preferível controlar o problema a "montante", cumprindo-se as promessas que se fazem?
Nesse caso, deixaríamos de estar preocupados com "fake news" pois num terreno feito de políticas de verdade as "sementes" da mentira não cresceriam.
Seria, sem dúvida, a melhor forma de resolver o problema e sem necessidade de recorrer ao fact-checking.
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico
Advogado