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Como melhorar o relatório "Uma década para Portugal"

A recente publicação do relatório "Uma década para Portugal" suscitou grande entusiasmo geral sendo saudado, principalmente, por dois motivos. O primeiro por quantificar os efeitos das medidas apresentadas e o segundo pela aceitação estrita da ortodoxia orçamental da UE.

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É natural que os outros partidos sigam este exemplo. Teremos, assim, nos próximos tempos vários estudos semelhantes a "Uma década para Portugal" provenientes dos outros quadrantes políticos.

 

Muitas das insuficiências deste documento vão aparecer repetidas nas réplicas dos outros partidos. As quatro notas que se seguem encaixarão, seguramente, nesses futuros documentos.

 

1. Porquê o título "Uma década para Portugal" quando o cenário e as medidas propostas visam um período de 4 anos (2016-2019)? A política económica em Portugal necessita de um enquadramento que menorize o curto prazo. O título do relatório é apelativo. Porém, o conteúdo é decepcionante e não corresponde ao título. Temos uma visão de curto prazo, excessivamente tributária de considerações eleitorais imediatas, não ultrapassando o ciclo político de 4 anos.

 

2. Em relação aos custos das empresas, a perspectiva adoptada centra-se - seguindo a péssima tradição dos bancos centrais - quase exclusivamente no factor trabalho. Por exemplo, os custos da energia e os sobrecustos associados à posição periférica do país - apesar da sua grande relevância - não têm tratamento adequado.

 

3. Os factores de crescimento da economia portuguesa são acordados de modo insuficiente e enviesado. Por um lado, há o desprezo do factor poupança interna. Por outro lado, há a sobrevalorização dos factores ligados ao ensino. No capítulo dedicado aos factores de crescimento, 80 % do espaço é dedicado ao ensino e 11 % ao volume do investimento. Os restantes 9% cabem às despesas de I&D.

 

4. A pouca consciência dos problemas criados nas duas últimas décadas é preocupante. Refere-se textualmente: "Muitas destas dimensões vinham verificando uma tendência de recuperação que foi posta em causa durante a recente crise" (as dimensões referidas são: capital humano, "stock" de capital, investimento, intensidade tecnológica).

 

Ora este diagnóstico não está correcto e conduz à reedição de políticas que já provaram ser perversas. Os fenómenos atribuídos à crise de 2008 já se manifestavam muito antes da crise. O investimento real a preços constantes teve em Portugal uma quebra de -34% entre 2007 e 2014; esta situação foi comum a outros países da UE (por exemplo: -34% na Irlanda, -35% na Espanha). Mas Portugal foi o único com tendência de quebra do investimento no período pré-crise (2000-2007): redução de - 9% em Portugal contra, por exemplo, o crescimento na Irlanda de +48% e na Espanha de +38%.

 

Mas, tomando a produtividade total dos factores - um indicador associado aos factores representados pelos analistas do relatório (ensino, I&D) - observamos que Portugal teve, entre 2000 e 2007, uma quebra de -9%, contra uma quebra de -6% em  Espanha e crescimentos  de 11% na Suécia e 2% na Irlanda. Já no período de crise (2008-2013) a quebra da produtividade total dos factores foi uma situação comum, embora de intensidade diferenciada: quebras em Portugal de -7%, -3% em Espanha, -3% na Suécia e -5% na Irlanda.

 

Se o país não cresceu o suficiente nas últimas duas décadas porque se propõem as mesmas políticas?

 

Economista e professor do ISEG

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