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Recebimento indevido de vantagem: um crime “de prova fácil”

Prisão entre um e cinco anos. Eis a pena prevista para o crime que, diz a Procuradoria-geral da República, poderá ter sido cometido pelos (até agora) seis arguidos do caso das viagens da Galp aos jogos do Euro 2016.

Reuters
10 de Julho de 2017 às 20:17
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Recebimento indevido de vantagem. É este o crime que, diz a Procuradoria-geral da República, poderá estar em causa no processo que envolve os três secretários de Estado demissionários mais um chefe de gabinete, um ex-chefe de gabinete e um assessor económico de António Costa. Falta saber se o Ministério Público terá no final provas para avançar com uma acusação, mas este é, diz Pedro Garcia Marques, "um crime de prova relativamente fácil".

 

Isto porque, explica o especialista em direito penal e professor na Universidade Católica, "deste crime não resulta uma necessidade de associação a um resultado", isto é, "uma relação de causa/efeito, uma ligação entre a vantagem recebida - as viagens, no caso - e a forma como é exercida a função" de secretário de Estado. Por outras palavras, "dispensa-se o Ministério Público de ter de verificar se a vantagem condicionou ou não o exercício da acção pública".

 

O crime em questão está previsto na Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, a lei dos crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos. Foi introduzido em 2010, já que, até então, o legislador mantinha tudo debaixo do mesmo chapéu do crime de corrupção. A lei passou então a estipular o seguinte: "O titular de cargo político ou de alto cargo público que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos."

 

"Trata-se de um crime que pune a criação de um ambiente de favorecimento", não sendo necessário provar que esse favorecimento existiu realmente", explica André Ferreira de Oliveira, doutorando da Faculdade de Direito de Coimbra e autor de uma dissertação de mestrado sobre o tema.

 

"Este crime é um pouco a válvula do sistema", diz o especialista. Porque o Ministério Público não terá de provar uma relação entre o crime e o efeito que ele possa ter tido, ao contrário do que se passa na corrução, essa sim quase sempre bastante difícil de provar.

 

Claro que, como acontece com qualquer crime tipificado na lei, implica que se prove que houve dolo, "que quem recebe e quem atribui saiba que é uma vantagem indevida". E, também, "que exista uma consciência da ilicitude e que as pessoas em causa tenham a percepção que estão a cometer um erro ao aceitar", acrescenta Pedro Garcia Marques.

 

Rocha Andrade, o secretário de Estado do Fisco, afirmou no ano passado, quando a polémica rebentou, que para si a viagem para ver os jogos do Euros era "um convite natural, dentro da adequação social", não existindo qualquer "conflito de interesses". Depois, tal como os outros dois secretários de Estado envolvidos, dispôs-se a reembolsar a Galp pelas despesas da viagem e afastou de si quaisquer decisões sobre a petrolífera, passando a competência a estar com o ministro Mário Centeno.

 

Código de conduta não se aplica

Depois da polémica com as viagens do Euro, o Governo apressou-se a aprovar um código de conduta para os titulares de funções públicas. E uma das medidas é precisamente a proibição de aceitarem ofertas de valor superior a 150 euros.

 

Tal regra, porém, não se aplicará ao caso em questão caso este chegue a julgamento. Por um lado porque não estava em vigor à data da prática dos factos e, por outro, porque "trata-se de uma resolução do Conselho de Ministros, que pode ter valor disciplinar, mas não o tem para efeitos criminais", refere Pedro Garcia Marques.

 

A lei prevê que se excluem da tipificação do recebimento indevido de vantagem "as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes" e terá de ser por aí – ou não – a acusação que venha a ser proferida.

 

"Este não é um crime habitual, admito que quem o cometa esteja convicto que não está a praticar nenhum crime", remata o professor da Católica. "Do ponto de vista da normalidade, alguém por uma viagem num voo charter vai decidir a favor de uma empresa num processo que envolve milhões de euros?" questiona, por seu turno, André Ferreira de Oliveira.

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