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Da política para o privado. Outros casos
A contratação de Maria Luís Albuquerque pela Arrow Global fez reacender o tema da facilidade com que os políticos transitam para o privado quando saem dos seus cargos no sector público. Ainda que o "período de nojo" seja respeitado, muitos não escapam a uma inevitável polémica.
Em 2013, o ex-primeiro-ministro José Sócrates assumia funções como presidente do conselho consultivo do grupo farmacêutico Octapharma para a América Latina. Sócrates tinha deixado de ser primeiro-ministro havia cerca de dois anos, período em que adquirira importantes contactos pessoais e profissionais com personalidades de vários países da região, nomeadamente o Brasil, e o seu novo emprego ficou imediatamente envolto em polémica. Uma polémica que, aliás, acabaria por atingir dimensões inesperadas devido sobretudo a todo o processo judicial em que Sócrates se viu depois envolvido no âmbito da "operação Marquês" e que levaria à sua detenção (entretanto libertado) numa investigação judicial que ainda continua.
O caso de Sócrates foi, pelas características que teve – e tem ainda –, um dos mais sonantes, mas as polémicas em torno de casos em que os políticos transitam do sector público para o privado são muitos. Mais ou menos polémicos, ainda que dentro dos limites que a lei estipula.
A lei em vigor prevê que os titulares de órgãos de soberania ou cargos políticos que deixem de exercer os cargos poderão voltar para o sector privado, mas com algumas restrições: terão de aguardar três anos para entrar em empresas que tenham tutelado directamente desde que, durante o mandato, as mesmas tenham sido privatizadas ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou fiscais. A única excepção a esta regra é o regresso à empresa ou actividade que a pessoa exercia antes de assumir o cargo.
A lei é de 1993, tem sofrido alterações várias e tem sido também alvo de várias propostas de alteração, normalmente de partidos na oposição no momento, para que se alargue o âmbito das incompatibilidades e o "período de nojo" a que estão sujeitos os governantes, os tais três anos. E a verdade é que, mesmo cumpridos os três anos, as transições para o Privado acabam muitas vezes por gerar polémica.
Muito falado foi o caso do ex-ministro Jorge Coelho, que foi responsável pela pasta do Equipamento no Governo de António Guterres e que transitaria depois para a presidência da Mota Engil, empresa com a qual lidara de perto muitas vezes, enquanto foi ministro. Jorge Coelho saiu do Governo em 2001 e entrou para a Mota-Engil em 2008, tendo ultrapassado, portanto, os três anos de "período de nojo" que a lei impõe.
O seu secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, Luís Parreirão, foi mais rápido: esteve no governo até 2001 e no ano seguinte assumiu funções na Mota-Engil, numa transição muito polémica que o levaria a defender, já em 2013, na comissão parlamentar de inquérito às Parcerias Público-Privadas, a existência de mecanismos que permitissem a ex-governantes transitarem para o sector privado sem as habituais suspeições. "Tão ou mais importante que o exercício sucessivo de funções do sector público para sector privado é o seu inverso", afirmou na altura aos deputados.
Outro nome também ligado à Mota-Engil é o de Valente de Oliveira, ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação de 2002 a 2003 e que também iria para a construtora, onde é ainda membro não-executivo do conselho de administração.
Joaquim Pina Moura, ministro até 2001 dos Governos de Guterres onde chegou a acumular as pastas das Finanças e da Economia, foi para a Iberdrola em 2004. Enquanto governante, tivera em mãos a reestruturação do sector energético.
Não foi o único a ir trabalhar para áreas que conhecia bem. Joaquim Ferreira do Amaral, ministro das Obras Públicas e Transportes de Cavaco Silva nos anos 90 entrou em 2008 para a Lusoponte. Fora ele o grande mentor do período de construção de novas vias rodoviárias, entre auto-estradas várias e a Ponte Vasco da Gama.
Também a socialista Maria de Belém se viu envolvida em polémica quando, enquanto deputada, em 2006, presidiu à comissão parlamentar de saúde e foi contratada como consultora para o Grupo Espírito Santo Saúde. A antiga ministra da saúde, no entanto, insistiu em que não havia incompatibilidade legal e manteve as duas funções.
A Lei, de facto, não a impedia de o fazer. O Estatuto dos Deputados estipula um conjunto de incompatibilidades com o exercício do cargo de deputado à Assembleia da República, que dizem essencialmente respeito a outros cargos no Estado – admite-se apenas, por exemplo, o exercício de funções docentes no ensino superior ou de investigação, mas avaliadas caso a caso. Sobre o sector privado, não há uma incompatibilidade geral.