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Como as carreiras dos professores geraram esta crise política

O Governo começou por defender que não iria reconhecer aos professores (nem às outras carreiras especiais) o tempo de serviço prestado entre 2011 e 2017. Mas as negociações prévias à aprovação do Orçamento do Estado para 2018 criaram novas expectativas.

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Por que motivo António Costa ameaça demitir-se?

O primeiro-ministro avisou que se o Parlamento aprovar a lei dos professores o Governo apresenta a demissão. Esta ameaça é justificada por António Costa e Mário Centeno, ministro das Finanças, com o agravo orçamental decorrente da contagem integral do tempo de serviço dos professores.

No entanto, este aviso de Costa é indissociável do ciclo eleitoral (europeias, legislativas e regionais na Madeira) que se aproxima a passos largos, com as eleições para o Parlamento Europeu já no dia 26 de maio.

Numa altura em que o PS surge em perda nas sondagens e o PSD em crescendo nas intenções de voto, a tentativa de responsabilizar a direita (sobretudo o PSD) de eleitoralismo e despesismo pode trazer benefícios eleitorais para os socialistas.

Afirmar o PS como garante da estabilidade governativa e das contas certas também pode resultar a favor dos socialistas, assim como atribuir a quebra de confiança no seio da geringonça ao Bloco e ao PCP pode beneficiar António Costa.

Por outro lado, acontece numa fase em que a Lei de Bases da Saúde e a lei laboral têm provocado divisões na maioria parlamentar que apoia o Governo do PS.

Pode esta proposta do Parlamento ser inconstitucional?

Só o Tribunal Constitucional o dirá, mas nos últimos dias foram vários os riscos apontados à proposta. Primeiro, foi o próprio Mário Centeno que, já depois do PS, avisou que a proposta original dos partidos violava a Constituição por antecipar despesa para 2016. Mas este aspeto acabou por ser corrigido e Carlos César, presidente da bancada do PS, defendeu em declarações ao Público que é "inconstitucional" uma decisão do Parlamento "que se substitui às competências do Governo, numa matéria que é de negociação coletiva, violando ou não a lei travão". Por último, há constitucionalistas que têm defendido que se se garante aos professores a contabilização de todo o tempo de serviço o mesmo deve ser feito em relação às restantes carreiras especiais que têm progressões dependentes do tempo, caso dos magistrados judiciais ou do ministério público, dos juízes, dos funcionários judiciais ou dos militares. Os deputados argumentam que o decreto aprovado pelo governo sobre estas carreiras ainda não foi promulgado e que só depois o poderão chamar ao parlamento para garantir idêntico tratamento.

Qual é a diferença entre o que defendem o PS e o Bloco e o que defendem o PSD e o CDS?
Todos defendem que o tempo de serviço reclamado pelos professores – nove anos, 4 meses e 2 dias – deve ser recuperado mas enquanto o PCP e o Bloco de Esquerda queriam um calendário fixo, que mencionasse a quantidade de dias a recuperar em cada um dos anos até 2025, PSD e CDS recusaram estabelecer essa proporção ou esse limite, alegando que dessa forma estariam a extravasar as competências da Assembleia. A proposta para a fixação de uma data de "referência" para a conclusão da recuperação – 2025 – também foi chumbada.
Essa verba é incomportável?
Saber o que as contas públicas comportam é uma questão sempre discutível. Como o próprio ministro das Finanças já argumentou várias vezes, é uma questão de escolhas e de alternativas. Mesmo assumindo que a medida do reconhecimento total do tempo de serviço seria alargada a todas as carreiras especiais da função pública, o custo acrescido seria de 340 milhões de euros. Representa quase duas décimas do PIB, mas é bem menos do que o gasto adicional que será assumido, por exemplo, com a injeção de capital prevista no Novo Banco. O Executivo já reconheceu que será preciso injetar 1,1 mil milhões de euros na instituição liderada por António Ramalho, dos quais apenas 400 milhões de euros estariam previstos no Orçamento do Estado, conforme disse o próprio ministro das Finanças. Para os anos seguintes, o custo adicional da medida da Assembleia da República são 560 milhões de euros por ano (para todas as carreiras). Representa cerca de um terço, por exemplo, do valor previsto para gastar com parcerias público-privadas em 2019. Ou seja: gastar mais com os funcionários públicos é uma escolha, como tantas outras. Se esta despesa não fosse feita poderia ser canalizada para outros lados – Costa fez questão de lembrar a falta de investimento público – ou poderia permitir baixar os impostos, ou pagar mais depressa a dívida, por exemplo.
Quanto custa?
O Governo tem dramatizado o impacto orçamental das alterações aprovadas pelo parlamento, mas dos 635 milhões de euros que as Finanças dizem que resultam da decisão, apenas 435 milhões podem ser diretamente imputados aos deputados. Houve duas decisões principais tomadas pelos deputados na quinta-feira: uma, a de pagar em 2020 com retroativos a 1 de Janeiro de 2019 os dois anos, nove meses e 18 dias que o Executivo queria diluir ao longo de mais tempo. Quanto é que isto custa? O Governo antecipa 200 milhões de euros para 2020 (o PSD aponta para custos inferiores), mas este era um montante que já estava previsto, mas espaçado no tempo. A segunda decisão diz respeito à contabilização de todo o tempo de serviço (9 anos, 4 meses e 2 dias), que não tem um calendário nem um modo de concretização definido. A ser totalmente cumprido (num ano que não está definido) esta decisão teria um impacto de 635 milhões de euros, segundo as Finanças. A despesa sobe se forem consideradas as outras carreiras.
O que traz de novo a proposta aprovada pela oposição na quinta-feira?
Na quinta-feira, BE, PCP, PSD e CDS uniram-se para tentar fechar um texto comum que, alterando o decreto-lei do Governo, reconheça os nove anos, quatro meses e dois dias aos professores. Foi aprovada a recuperação "integral" do tempo de serviço, num total de 3.411 dias, mas sem qualquer calendário, sendo apenas mencionado, de acordo com os deputados, que a negociação se fará nos anos de 2020 e seguintes, sem qualquer prazo máximo, o que na prática dá grande margem de manobra a um próximo governo. Mas há outro ponto com um prazo claro: os deputados decidiram que a recuperação dos dois anos, 9 meses e 18 dias, que o governo queria diluir em vários anos, será paga no máximo em 2020, com efeitos retroativos a janeiro de 2019. A aprovação destas propostas foi confirmada pelos deputados, mas convém sublinhar que o texto final, que por vezes resulta da conjugação do que mais do que uma formulação, ainda pode sofrer acertos.
Como correram as negociações com os professores?
As negociações entre o Governo e os sindicatos viriam a fracassar diversas vezes, tendo o Executivo avançado unilateralmente com um decreto-lei que previa o reconhecimento de dois anos, 9 meses e 18 dias, ao longo de vários anos. Trata-se de um período bastante inferior ao exigido pelos professores (nove anos, quatro meses e 2 dias reclamados pelos sindicatos, que incluem não apenas o período de 2011 a 2017 mas também um período anterior de congelamento entre 2005 e 2007). Após a promulgação de Belém de um segundo decreto do Governo, os partidos pediram a apreciação parlamentar, abrindo a porta a negociações para contabilizar de forma explícita todo o tempo.
Como surge o problema da contagem do tempo dos professores?
As sucessivas leis do orçamento do Estado que congelaram as progressões (pela última vez, entre 2011 e 2017) também determinaram que nas carreiras em que o tempo de serviço é o fator fundamental para progredir esse tempo não seria tido em conta no futuro. Quando as progressões foram descongeladas, na preparação do orçamento de 2018, o governo começou por defender que não iria recuperar esse tempo de serviço, o que na prática trava o ritmo das progressões em carreiras como a dos docentes. Mas face à pressão dos professores, poucos dias antes da aprovação final da lei do orçamento para 2018, acabou por assinar uma declaração de compromisso para negociar o tempo, o modo, e o calendário de recuperação desse tempo de serviço. Na lei do orçamento do estado para 2018 (e na seguinte) ficou estabelecido que a expressão remuneratória do tempo nas diferentes carreiras seria "considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização", tendo em conta "os recursos disponíveis".

Como surge o problema da contagem do tempo dos professores? 

As sucessivas leis do orçamento do Estado que congelaram as progressões (pela última vez, entre 2011 e 2017) também determinaram que nas carreiras em que o tempo de serviço é o fator fundamental para progredir esse tempo não seria tido em conta no futuro. Quando as progressões foram descongeladas, na preparação do orçamento de 2018, o governo começou por defender que não iria recuperar esse tempo de serviço, o que na prática trava o ritmo das progressões em carreiras como a dos docentes. Mas face à pressão dos professores, poucos dias antes da aprovação final da lei do orçamento para 2018, acabou por assinar uma declaração de compromisso para negociar o tempo, o modo, e o calendário de recuperação desse tempo de serviço. Na lei do orçamento do estado para 2018 (e na seguinte) ficou estabelecido que a expressão remuneratória do tempo nas diferentes carreiras seria "considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização", tendo em conta "os recursos disponíveis".

Como correram as negociações com os professores?

As negociações entre o Governo e os sindicatos viriam a fracassar diversas vezes, tendo o Executivo avançado unilateralmente com um decreto-lei que previa o reconhecimento de dois anos, 9 meses e 18 dias, ao longo de vários anos. Trata-se de um período bastante inferior ao exigido pelos professores (nove anos, quatro meses e 2 dias reclamados pelos sindicatos, que incluem não apenas o período de 2011 a 2017 mas também um período anterior de congelamento entre 2005 e 2007). Após a promulgação de Belém de um segundo decreto do Governo, os partidos pediram a apreciação parlamentar, abrindo a porta a negociações para contabilizar de forma explícita todo o tempo.

O que traz de novo a proposta aprovada pela oposição na quinta-feira?

Na quinta-feira, BE, PCP, PSD e CDS uniram-se para tentar fechar um texto comum que, alterando o decreto-lei do Governo, reconheça os nove anos, quatro meses e dois dias aos professores. Foi aprovada a recuperação "integral" do tempo de serviço, num total de 3.411 dias, mas sem qualquer calendário, sendo apenas mencionado, de acordo com os deputados, que a negociação se fará nos anos de 2020 e seguintes, sem qualquer prazo máximo, o que na prática dá grande margem de manobra a um próximo governo. Mas há outro ponto com um prazo claro: os deputados decidiram que a recuperação dos dois anos, 9 meses e 18 dias, que o governo queria diluir em vários anos, será paga no máximo em 2020, com efeitos retroativos a janeiro de 2019. A aprovação destas propostas foi confirmada pelos deputados, mas convém sublinhar que o texto final, que por vezes resulta da conjugação do que mais do que uma formulação, ainda pode sofrer acertos.

Quanto custa?

O Governo tem dramatizado o impacto orçamental das alterações aprovadas pelo parlamento, mas dos 635 milhões de euros que as Finanças dizem que resultam da decisão, apenas 435 milhões podem ser diretamente imputados aos deputados. Houve duas decisões principais tomadas pelos deputados na quinta-feira: uma, a de pagar em 2020 com retroativos a 1 de Janeiro de 2019 os dois anos, nove meses e 18 dias que o Executivo queria diluir ao longo de mais tempo. Quanto é que isto custa? O Governo antecipa 200 milhões de euros para 2020 (o PSD aponta para custos inferiores), mas este era um montante que já estava previsto, mas espaçado no tempo. A segunda decisão diz respeito à contabilização de todo o tempo de serviço (9 anos, 4 meses e 2 dias), que não tem um calendário nem um modo de concretização definido. A ser totalmente cumprido (num ano que não está definido) esta decisão teria um impacto de 635 milhões de euros, segundo as Finanças. A despesa sobe se forem consideradas as outras carreiras.

 

Essa verba é incomportável?

Saber o que as contas públicas comportam é uma questão sempre discutível. Como o próprio ministro das Finanças já argumentou várias vezes, é uma questão de escolhas e de alternativas. Mesmo assumindo que a medida do reconhecimento total do tempo de serviço seria alargada a todas as carreiras especiais da função pública, o custo acrescido seria de 340 milhões de euros. Representa quase duas décimas do PIB, mas é bem menos do que o gasto adicional que será assumido, por exemplo, com a injeção de capital prevista no Novo Banco. O Executivo já reconheceu que será preciso injetar 1,1 mil milhões de euros na instituição liderada por António Ramalho, dos quais apenas 400 milhões de euros estariam previstos no Orçamento do Estado, conforme disse o próprio ministro das Finanças. Para os anos seguintes, o custo adicional da medida da Assembleia da República são 560 milhões de euros por ano (para todas as carreiras). Representa cerca de um terço, por exemplo, do valor previsto para gastar com parcerias público-privadas em 2019. Ou seja: gastar mais com os funcionários públicos é uma escolha, como tantas outras. Se esta despesa não fosse feita poderia ser canalizada para outros lados – Costa fez questão de lembrar a falta de investimento público – ou poderia permitir baixar os impostos, ou pagar mais depressa a dívida, por exemplo.


Qual é a diferença entre o que defendem o PS e o Bloco e o que defendem o PSD e o CDS?

Todos defendem que o tempo de serviço reclamado pelos professores – nove anos, 4 meses e 2 dias – deve ser recuperado mas enquanto o PCP e o Bloco de Esquerda queriam um calendário fixo, que mencionasse a quantidade de dias a recuperar em cada um dos anos até 2025, PSD e CDS recusaram estabelecer essa proporção ou esse limite, alegando que dessa forma estariam a extravasar as competências da Assembleia. A proposta para a fixação de uma data de "referência" para a conclusão da recuperação – 2025 – também foi chumbada.

Pode esta proposta do Parlamento ser inconstitucional?

Só o Tribunal Constitucional o dirá, mas nos últimos dias foram vários os riscos apontados à proposta. Primeiro, foi o próprio Mário Centeno que, já depois do PS, avisou que a proposta original dos partidos violava a Constituição por antecipar despesa para 2016. Mas este aspeto acabou por ser corrigido e Carlos César, presidente da bancada do PS, defendeu em declarações ao Público que é "inconstitucional" uma decisão do Parlamento "que se substitui às competências do Governo, numa matéria que é de negociação coletiva, violando ou não a lei travão". Por último, há constitucionalistas que têm defendido que se se garante aos professores a contabilização de todo o tempo de serviço o mesmo deve ser feito em relação às restantes carreiras especiais que têm progressões dependentes do tempo, caso dos magistrados judiciais ou do ministério público, dos juízes, dos funcionários judiciais ou dos militares. Os deputados argumentam que o decreto aprovado pelo governo sobre estas carreiras ainda não foi promulgado e que só depois o poderão chamar ao parlamento para garantir idêntico tratamento.

Porque é que o primeiro-ministro ameaçou demitir-se?

O primeiro-ministro avisou que se o Parlamento aprovar a lei dos professores o Governo apresenta a demissão. Esta ameaça é justificada por António Costa e Mário Centeno, ministro das Finanças, com o agravo orçamental decorrente da contagem integral do tempo de serviço dos professores.No entanto, este aviso de Costa é indissociável do ciclo eleitoral (europeias, legislativas e regionais na Madeira) que se aproxima a passos largos, com as eleições para o Parlamento Europeu já no dia 26 de maio. Numa altura em que o PS surge em perda nas sondagens e o PSD em crescendo nas intenções de voto, a tentativa de responsabilizar a direita (sobretudo o PSD) de eleitoralismo e despesismo pode trazer benefícios eleitorais para os socialistas. Afirmar o PS como garante da estabilidade governativa e das contas certas também pode resultar a favor dos socialistas, assim como atribuir a quebra de confiança no seio da geringonça ao Bloco e ao PCP pode beneficiar António Costa.Por outro lado, acontece numa fase em que a Lei de Bases da Saúde e a lei laboral têm provocado divisões na maioria parlamentar que apoia o Governo do PS.

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