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Os apoiantes de Trump são racistas? O que dizem os números

A meio da campanha eleitoral, Clinton disse que metade dos apoiantes de Trump eram “detestáveis”. Era uma generalização, mas a verdade é que os números mostram que uma fatia significativa admite ter preconceitos raciais.

Reuters
22 de Novembro de 2016 às 19:51
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Ontem, a Atlantic divulgou um vídeo onde neo-nazis – pertencentes ao movimento "alt-right" - saúdam Donald Trump, enquanto ouvem um discurso cheio de referências racistas e inspirado por ideologia de supremacia branca. Não seria sério dizer que aquele discurso representa o eleitor que votou em Trump, mas o movimento apoia vigorosamente o republicano e, em conjunto com os episódios de violência a que se assistiu desde as eleições, volta a motivar a questão: são os apoiantes de Trump racistas?

A discussão mediática é feita por ondas. Primeiro, tornou-se um cliché dizer que quem votou em Trump era um bando de xenófobos. Pouco tempo depois, essa ideia foi soterrada pela tese de que foi a alienação económica dos trabalhadores industriais que os empurrou para os braços populistas de Trump. A ansiedade económica provocada pela globalização deixou-os dispostos a aceitar até alguém cujas palavras nem sequer levam a sério.

 

O tema é sensível, porque implica chamar racista a alguém, o que é difícil a vários níveis: é altamente ofensivo, a classificação é subjectiva e a maior parte dos racistas não admite nem sequer acha que o seja. É fácil dizer que ser racista é querer linchar alguém de outra raça. E achar que outras raças são mais preguiçosas do que a nossa? E menos inteligentes? É que é isso que milhões de americanos acham.





Importa dizer que milhões e milhões de votos em Trump não tiveram nada a ver com questões raciais. Muitos acham que ele defenderá valores mais conservadores outros simplesmente não confiavam em Clinton ou queriam a tão ansiada "mudança". De referir ainda que, alguns dos que votaram agora Trump, elegeram Barack Obama em 2012. Explicar a vitória republicana com sentimentos racistas é simplificar demasiado uma eleição complexa.

Há dois meses já tivemos esta discussão, quando Hillary Clinton acusou metade dos apoiantes de Trump de serem detestáveis ("deplorable", no original). "Sabem que, mesmo generalizando, podiam meter metade dos apoiantes de Trump naquilo a que eu chamo um contentor de detestáveis, certo?", questionou a candidata democrata em Setembro. "Racistas, sexistas, homofóbicos, xenófobos, islamofóbicos."
 
"Metade" é muita gente e Clinton foi bastante criticada pela declaração, mas a verdade é que os dados pintam um retrato pouco favorável dos apoiantes de Trump. Segundo a Western Political Science Association, quem votou no milionário nas primárias destacava-se claramente dos apoiantes de outros candidatos republicanos. "Mesmo controlando por raça, identificação partidária, ideologia, rendimento, educação e idade, há mais probabilidades de os apoiantes de Trump terem sentimentos mais frios em relação a outros grupos", pode ler-se na análise. "É mais provável os apoiantes de Trump terem sentimentos negativos em relação a feministas, muçulmanos, gays, lésbicas e transsexuais."


 

Outra sondagem, desta vez da Reuters, conclui que existe uma probabilidade mais elevada de apoiantes de Trump considerarem os negros "criminosos", "pouco inteligentes" e "violentos". Também aqui, os valores são mais elevados quando comparados com os apoiantes de Hillary Clinton ou de outros candidatos republicanos.

 

Quase metade dos apoiantes de Trump acha que os afro-americanos são mais violentos e mais criminosos do que os caucasianos e cerca de 40% acha que são mais preguiçosos. Pouco mais de um terço dos apoiantes de Trump prefere viver numa "comunidade com pessoas de diferentes culturas". Entre os apoiantes de Clinton, essa percentagem é de 70%. Entre outros candidatos republicanos, as percentagens rondam os 50%.
 

A YouGov tentou quantificar aquilo a que chamou o "ressentimento racial" dos americanos. Verificou que 58% dos apoiantes de Trump que responderam ao inquérito estavam no quartil mais elevado de ressentimento racial. E nove em cada dez estão acima da média nacional. A Economist escreve que, embora esta classificação não seja equivalente a racismo, parece validar a tese de Hillary Clinton.

Trump tem tido manifestações de apoio do Ku Klux Klan, assim como do movimento conhecido como "alt-right", um grupo de extrema-direita, com uma mensagem claramente racista, xenófoba e inspirada pela supremacia branca. Steve Bannon - que será o seu "estratega chefe" - dirigia o site Breitbart e assumiu-o como a plataforma da alt-right. Num dos artigos do site, é referido que um dos ideólogos da alt-right é Richard Spencer, que pode ver a discursar no vídeo da Atlantic, mais acima, cuja retória agressiva é recebida com saudações nazis pelo público. 

 

A Universidade da California – em conjunto com o Washington Post – conclui que o medo dos americanos brancos de estarem a perder espaço nos EUA é o melhor indicador para prever o voto em Trump, mais até do que a tão discutida "ansiedade económica". Semelhante ao que diz o centro de investigação Pew: o medo de que os imigrantes ameacem os valores dos EUA identifica mais um apoiante de Trump do que o receio do Islão e até a identificação como republicano.

O Vox explica que isso significa que o problema pode não ser tanto com estrangeiros: se forem franceses são bem-vindos. Se forem mexicanos, nem por isso. A mesma Pew sublinha que é menos provável que um apoiante de Trump considere que a diversidade racial e étnica melhora os Estados Unidos. "Para muitos americanos brancos - a base mais importante do Partido Republicano, tanto nas primárias como na eleição geral - a imigração não é tão simples como legal vs. ilegal", escreve o Vox. "A sua principal preocupação é preservar a cultura americana."

Brookings também tem dados e nota que 50% dos americanos se sentem incomodados quando entram em contacto com imigrantes que falam mal inglês. Esse número é 77% entre os apoiantes de Trump. Mais: 57% dos americanos acha que o Islão é contrário aos valores americanos. Entre quem vota Trump? 83% tem essa opinião.




Mais abrangente do que Trump?

 

Donald Trump só está activamente na cena política há um ano e estas tendências são mais antigas. Outras fontes estatísticas olham mais para trás, observando-se que o problema não é Trump. O Partido Republicano tende a atrair mais pessoas com um olhar discriminatório em relação a minorias. O American National Election Studies (ANES) desenhou uma espécie de teste de discriminação racial. Pediu aos inquiridos para classificar diferentes raças numa escala (por exemplo, de "preguiçoso" até "trabalhador"). 62% dos brancos tinham pontuações baixas em pelo menos uma das perguntas. Em 2012, Mitt Romney conseguiu seis em cada dez pessoas que apresentavam opiniões mais discriminatórias. "Existe um preconceito branco evidente", refere ao Washington Post Simon Jackman, que dirigiu o ANES até 2016. "Brancos que apresentavam ideias preconceituosas sobre negros caíam significativamente mais para o lado republicano em 2008 e 2012 – e vão continuar em 2016."

 

Há mais provas. A Gallup perguntou aos americanos se estariam dispostos a votar num presidente muçulmano. 27% dos democratas responderam que não, o que compara com 55% dos republicanos. Mais de metade. Parece próximo da definição de islamofobia. 55% dos republicanos também não votaria num ateu (vs. 36% dos democratas) e 39% não votaria num homossexual (vs. 15% dos democratas).

Escusado será dizer que estes eleitores concordam com grande parte das propostas de Trump, algumas das quais têm, elas próprias, uma mensagem racista. Por exemplo, a ideia de proibir a entrada nos EUA a todos os muçulmanos é apoiada por 76% dos republicano (48% dos quais defende-a fortemente), o que compara com 26% entre os democratas (13% fortemente).

Um problema nacional?

 

Os números parecem ser bastante claros a provar que quem vota Trump tende a ser mais preconceituoso do que o americano médio, mas a questão pode ser mais abrangente: os Estados Unidos, no seu todo, têm um problema racial e, em certas circunstâncias, republicanos e democratas não divergem muito. Por exemplo, quando se olha apenas para os caucasianos. A General Social Survey, citada pelo FiveThirtyEight observa que em resposta às perguntas "votaria num Presidente negro?", "negros são menos inteligentes?" e "os negros são mais preguiçosos?", as respostas entre democratas brancos e republicanos brancos são semelhantes.

 

Onde os republicanos brancos se destacam como mais preconceituosos é em duas perguntas: "gasta-se demasiado dinheiro a melhorar a vida dos negros?" e "falta aos negros a motivação para sair da pobreza?" A esta última pergunta, 40% dos democratas brancos respondem que sim, o que compara com quase 60% dos republicanos brancos.

 

Olhar para os apoiantes de Clinton também revela preconceito. Quase um terço dos apoiantes de Trump classifica a inteligência dos afro-americanos abaixo dos caucasianos, mas 22% dos apoiantes de Clinton acham o mesmo. 40% dos fãs de Trump acham que os negros são mais preguiçosos, 25% dos seguidores de Clinton tem a mesma opinião. 


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