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22 de Novembro de 2016 às 19:37

Trump é o suicídio da direita

A nova ordem de Donald Trump - autoritária, proteccionista, racial e socialmente hierarquizada - não é só imoral e injusta. É, verdadeiramente, fora deste mundo.

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Tenho visto em Portugal, especialmente à direita, quem defenda que é preciso dar tempo ao tempo antes de se avaliar Donald Trump. Em parte dou-lhes razão: Trump, que tem a espessura política e intelectual de uma folha de papel, talvez seja só um populista oportunista, que deseja o exercício do poder com o simples objectivo do próprio exercício do poder. Por causa da luxúria e do prestígio de mandar, ou da obtenção de proveitos pessoais. Se assim fosse, não seria impossível que a vaidade e conveniência da personagem acabassem por orientá-lo no sentido de um certo senso comum maioritário.

 

O problema é que eu vi o que Trump andou a prometer em campanha. Imagino o nepotismo e o temperamento com que tomará decisões. Conheço a plataforma racista e xenófoba que o apoiou. Sei que apregoou um programa isolacionista, contra o comércio internacional, economicamente dirigista e financeiramente insensato.

 

Isso permite-me - a mim, que sou de direita - fazer um juízo bastante negativo sobre o que aí vem. Mesmo aceitando que a eleição também foi determinada por uma compreensível desilusão com o sistema político norte-americano: é que uma coisa é a desqualificação do "sistema"; outra, bem diferente, é achar que a desqualificação do sistema serve automaticamente para qualificar um demagogo deplorável como Donald Trump.

 

Que haja nas franjas da direita quem se reveja nas ilusões de grandeza do discurso de Trump, acho normal. O que é extraordinário é que na direita sociologicamente maioritária, mais moderada, possa haver quem se predisponha a legitimá-lo, pelo instinto pavloviano de defender qualquer um que se apresente com galhardia contra a esquerda.

 

Se a direita quiser entrar por essa noite escura, estará a dar o seu contributo para o fim da era liberal. Aventura na qual, diga-se, a esquerda já vai avançada, com a sua desconfiança da globalização, a celebração dos radicais anti-sistema europeus, como Iglesias e Tsipras, e a tolerância dos modernos caudilhos sul-americanos.

 

Bem sei que na lengalenga costumeira de Trump é possível ver uma nostalgia da "ordem", noção sem a qual as várias direitas não sobrevivem. Mas também sei que, no séc. XX, as direitas aprenderam a lição de que não é qualquer ordem que interessa. Uma ordem imposta é ilusória e passageira, e mais tarde ou mais cedo acaba em desordem. Só uma noção de ordem tendencialmente "espontânea", que presume um de-senvolvimento social orgânico, garante que o progresso ocorre num cenário de ordem verdadeira, aceite e duradoura.

 

Num mundo em constante mudança, a direita só será relevante se perceber que a ordem não é um fim, é um processo, e se defender uma organização política que reconheça a desordem espontânea do mundo, com a liberdade de comércio sem fronteiras, as liberdades cívicas e individuais, a democracia parlamentar, a disrupção tecnológica, o cosmopolitismo social.

 

A nova ordem de Donald Trump - autoritária, proteccionista, racial e socialmente hierarquizada - não é só imoral e injusta. É, verdadeiramente, fora deste mundo. A nova ordem é a velha ordem, num mundo que a não reconhece, e quando chocar com a dinâmica da realidade, que tentará mudar à força, acabará em farsa ou tragédia. Quem se quiser acorrentar a ela, terá de assumir que não tem nada para dizer ao mundo em que vive.

 

 

Advogado

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