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Francisco Mendes da Silva - Advogado 04 de Novembro de 2020 às 09:40

As sondagens e as expectativas da direita

A ligação do nosso sistema eleitoral à dispersão regional do voto é um enviesamento natural que beneficia a direita e a deveria obrigar a apresentar-se unida a eleições (uma vez que quem assina este texto sou eu, essa união dispensa o Chega).

Muitas vezes, a política é essencialmente a gestão das percepções e das expectativas. E ambas podem mudar num ápice.

Veja-se o caso das regionais nos Açores. Antes das eleições, ninguém duvidava de que o PS continuaria a governar o arquipélago, com maioria absoluta, e de que os resultados não teriam qualquer efeito nas análises à política nacional, em que a esquerda mantém uma maioria parlamentar confortável.

Depois das eleições, a correlação de forças a nível nacional permanece inalterada, mas o fim da maioria açoriana e a possibilidade de um governo regional à direita fizeram com que se começasse a falar com insistência na queda do PS no país, na eventualidade da subida do bloco da direita e de uma “geringonça” não socialista nas próximas legislativas.

A realidade mostrou que a percepção e as expectativas anteriores às regionais eram infundadas. Mas as posteriores, até ver, também o são.

No passado fim-de-semana, acerca da última sondagem da Aximage, o Jornal de Notícias titulava que a “Direita já soma mais do que os socialistas”. É um título que só se justifica como manifestação daquela psique colectiva pós-Açores. Qual a relevância de a direita junta passar o PS, se toda a esquerda, nessa sondagem e nas outras, se mantém muito à frente? Aparentemente, a relevância é muito pouca. Mesmo que a relação do PS com os partidos à sua esquerda já não seja a da legislatura passada, quem acha que esses partidos tirarão o país ao PS, o qual podem influenciar, para o colocarem nas mãos da direita?

Aliás, com a direita tão dividida, e sabendo-se como estariam geograficamente hiperconcentrados os votos que poderiam dar deputados aos partidos à direita do PSD, seria até bastante plausível que, com os números tendenciais das sondagens dos últimos meses, o PS sozinho, mesmo que com menos votos, tivesse mais deputados do que toda a direita.

O professor de Direito Nuno Garoupa, que na sua página do Facebook tem analisado as sondagens desde as últimas legislativas, indicando a distribuição potencial de mandatos entre os partidos, demonstrou isso mesmo com base na sondagem da Aximage.

Pior: em muitos distritos, por causa do método de Hondt, os votos nos partidos da direita não só não lhes dariam quaisquer deputados como até serviriam, pelo contrário, para tirar deputados ao PSD e entregá-los ao PS.

Se há alguma percepção ou expectativa que se deveria retirar das sondagens recentes é que a actual fragmentação é uma má notícia para a direita.

Não falo só do sectarismo estratégico ou do entrincheiramento ideológico, que tornará cada vez mais difíceis as soluções reformistas e coerentes de governo no futuro. Esse é um problema que a direita teria se obtivesse uma maioria. O principal problema, para já, é chegar a essa maioria.

Falo, portanto, de outros factores, que já aqui referi várias vezes e que, apesar de em Portugal lhes darmos normalmente pouca atenção, são determinantes nos resultados das eleições na generalidade dos regimes democráticos. Se não forem bem aproveitados, a meta da maioria ficará mais longe.

Primeiro, a dispersão regional do voto. A direita sempre teve o voto mais disperso por todo o país do que a esquerda, especialmente a norte do Tejo, que elege muito mais deputados do que o Sul. Ou seja, a direita costuma ter mais força em mais distritos com mais peso.

Segundo, o sistema eleitoral. Uma coisa é o número de votos, outra é a transformação dos votos em mandatos. Em Portugal, o sistema proporcional e o método de Hondt favorecem as coligações. A esquerda até pode ter 60% do eleitorado. Se a direita, numa coligação pré-eleitoral, tiver 40%, poderá ter a maioria absoluta de deputados. Convém lembrar que em 2015, com cerca de 38% dos votos, o PSD e o CDS, juntos, ficaram apenas a oito deputados de poderem governar.

A ligação do nosso sistema eleitoral à dispersão regional do voto é um enviesamento natural que beneficia a direita e a deveria obrigar a apresentar-se unida a eleições (uma vez que quem assina este texto sou eu, essa união dispensa o Chega). Isto, claro, se os partidos quiserem governar o país. Se quiserem apenas ver quem fica à frente de quem, e depois logo se vê, estamos bem assim.

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