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As entrevistas que marcaram o ano: Emílio Rui Vilar

Emílio Rui Vilar é um homem múltiplo, e essa multiplicidade está expressa no livro-testemunho “Emílio Rui Vilar - Memórias de Dois Regimes”, onde relata episódios da ditadura e do alvor da democracia em Portugal.
Celso Filipe, Lúcia Crespo e Miguel Baltazar - Fotografia 25 de Dezembro de 2024 às 10:00

Emílio Rui Vilar é sobretudo um gestor, e é assim desde os tempos de estudante de Direito em Coimbra, onde fundou o Círculo de Artes Plásticas e dirigiu o CITAC. O desenho, o teatro e as artes em geral acompanharam sempre aquele que viria a ser o primeiro presidente da SEDES, em 1970. Esteve nos primeiros três Governos Provisórios, foi ministro da Economia entre julho de 1974 e março de 1975 e um dos principais responsáveis pelo "Plano Melo Antunes". Assumiu depois a pasta dos Transportes e Comunicações. Governar em revolução não foi fácil e a vida partidária não combinava com o seu modo de ser. Emílio Rui Vilar está sobretudo associado à presidência da Fundação Calouste Gulbenkian e da Caixa Geral de Depósitos, bem como ao lançamento da Culturgest. Foi também comissário-geral da Europália 91. É um homem múltiplo, e essa multiplicidade está expressa no livro-testemunho "Emílio Rui Vilar - Memórias de Dois Regimes", onde relata episódios da ditadura e do alvor da democracia em Portugal.


* Entrevista publicada originalmente a 5 de abril de 2024

Quando deixa registos do passado, qual é a sua preocupação? A posteridade é algo que o inquieta? 

A minha preocupação é a atualidade, é poder ser útil. Aliás, aceitei o desafio de editar as memórias deste período porque achei que podia de algum modo estar a cumprir um dever cívico. Tive a oportunidade de participar e de assistir a muitos acontecimentos importantes na vida do país e senti que era um dever deixar registo dessa experiência.

 

Porque o passado serve para perceber melhor o presente?

Serve para perceber o presente e, sobretudo, para evitar a repetição de erros. O futuro não se constrói com o mimetismo nem com a nostalgia do passado, mas conhecer bem o passado ajuda-nos muito a acautelar erros. A compreensão do passado, sobretudo para os mais novos, pode ajudar a valorizar coisas muito importantes, como a liberdade que hoje temos no país. Para os meus netos, a liberdade e a democracia são coisas quase tão naturais como o ar que respiram, não lhes é fácil compreender que havia censura, que havia polícia política, que não se podia comprar as revistas e os livros que se quisesse. 

 

Esse desconhecimento pode ter contribuído para os últimos resultados eleitorais, com um partido de direita radical a ser agora a terceira força política no país? 

Os resultados eleitorais são um tema de tal forma complexo que quem tem obrigação de se pronunciar sobre isso, em primeiro lugar, são os cientistas políticos, até para evitar análises simplistas e juízos apressados. Este fenómeno não é original de Portugal, falamos de uma vaga que está a percorrer as democracias liberais, e há que investigar a fundo as suas causas. A imagem imediata é a de que houve mais de um milhão de portugueses a protestar. Convém perceber as razões desse protesto. Estou a recordar-me de algo que ouvi em Wilton Park, em 1972: uma das virtudes da democracia é a responsabilidade de os políticos explicarem as decisões aos cidadãos. Nunca me esqueci desta fórmula. Além dos partidos políticos, também a sociedade, os cidadãos, as associações cívicas, têm responsabilidade enquanto cuidadores da democracia. Quarentenas asséticas ou fórmulas paternalistas não serão respostas fundamentadas.

A Europa tem de rever profundamente as suas políticas de defesa, porque há realmente um conjunto de ameaças que estão próximas.

Como olha para o futuro da Europa tendo em consideração, por um lado, a guerra na Ucrânia, e por outro o crescimento e a afirmação dos populismos?

Vejo com preocupação. A Europa viveu muitas décadas em paz depois de ter sido palco de repetidos conflitos. As gerações atuais não estão preparadas para uma eventualidade dolorosa de termos conflitos armados como aquele que o povo ucraniano está a enfrentar. E certamente que nos devemos preparar para evitar a guerra, criando os sistemas de defesa necessários. Neste momento, a Europa está desarmada. Há uma grande incerteza em relação ao que vai acontecer do outro lado do Atlântico. Portanto, a Europa tem de rever profundamente as suas políticas de defesa, porque há realmente um conjunto de ameaças que estão próximas. Ao mesmo tempo, em muitos países, acabou o serviço militar obrigatório, e o investimento em defesa é mínimo. Claro que todos gostaríamos mais de investir noutras áreas, mas o realismo obriga-nos a pensar que temos de mudar as nossas políticas em muitas áreas.

 

Existe a ideia de que faltam lideranças políticas europeias como as de Olof Palme ou de Mitterrand, por exemplo, e que esta circunstância nos conduziu até aqui.

Acho sobretudo que estamos a experimentar um período de transição. O modelo político que se construiu na Europa a seguir à Segunda Guerra, com alternância política de partidos socialistas ou sociais-democratas, partidos conservadores ou democratas-cristãos, e, ao mesmo tempo, um Estado Social, está a ser questionado. Os três pilares da vida europeia eram: a democracia liberal representativa, com essa alternância, a economia de mercado regulada e o Estado Social. Neste momento, esse equilíbrio está profundamente posto em causa.

Mas é preciso criar um novo modelo ou reformar esse modelo?

Penso que a democracia será capaz de encontrar em si própria as virtualidades para recriar um modelo eficaz perante os novos desafios e as novas circunstâncias.

 

Foi fundador e presidente da SEDES entre 1970 e 1972. O que significou o nascimento desta organização em Portugal?

O nascimento da SEDES aconteceu no clima de descompressão a seguir à queda física e política de Salazar. Um conjunto de pessoas com posições ideológicas muito diversas, que não se reviam nem na luta clandestina nem nas oposições tradicionais, tiveram a possibilidade de criar um movimento para ajudar a vencer o "bloqueio" em que se encontrava a sociedade portuguesa – e "bloqueio" era uma maneira codificada de nos referirmos ao maior de todos os bloqueios, que era a guerra do Ultramar.

A transição de poder para Marcelo Caetano foi uma transição pacífica. Continuo a perguntar-me: porque é que nenhuma força política se movimentou? O próprio presidente Américo Tomás mostrou-se surpreendido.

Acreditou que a chamada primavera marcelista podia alguma vez ir mais além, desembocando numa democracia? Esse era até o sonho de uma ala liberal que foi para o Parlamento.

Houve muitos sinais. O primeiro: a transição do poder deu-se de forma totalmente pacífica. O próprio Presidente Américo Tomás, nas memórias,?mostra-se surpreendido como a queda de Salazar e a substituição pelo Marcello Caetano se operou sem nenhuma convulsão. Continuo a perguntar-me: porque é que naquele mês de setembro de 1968 nenhuma força política se movimentou? Porquê? Depois há aquela série de sinais do início do consulado de Marcello Caetano: o regresso do Mário Soares de São Tomé, o regresso do bispo do Porto (António Ferreira Gomes), a mensagem de José Guilherme de Melo e Castro quando convidava as pessoas que viriam a formar a Ala Liberal... Havia assim uma série de sinais. Mas comecei a perder a ilusão em 1970, quando Marcello Caetano, no aniversário da tomada de posse como Presidente do Conselho, explicou os motivos pelos quais nos encontrávamos no Ultramar: "Não estamos no Ultramar por razões históricas: a História faz-se todos os dias. Não estamos no Ultramar a defender o Ocidente, porque o Ocidente tem meios para se defender. Não estamos por razões económicas, porque o Ultramar é um peso para a economia da metrópole. Estamos no Ultramar porque há portugueses pretos e brancos que precisam de ser defendidos". Isto dava um sinal de alguma solução... Só que, passado pouco tempo, Marcello Caetano foi a Santa Margarida fazer um discurso que era o oposto. E aí percebi que as forças mais conservadoras e ortodoxas do regime acabaram por limitar a sua ação. No fundo, a SEDES nasce juridicamente quando a situação política já estava a mudar.

 

Acabou por se tornar incómoda. O?próprio Marcello Caetano achou que estariam a ser demasiado ativos. Um dos livros até foi apreendido.

Pois, o livro "Portugal 73, Ano Político – Notas para o Cidadão Eleitor" foi apreendido pela então DGS e o Marcello Caetano várias vezes manifestou desconforto com as iniciativas de deputados como Francisco Sá Carneiro, Miller Guerra, Francisco Pinto Balsemão; ou com a Lei da Imprensa, com a proposta de revisão constitucional e com as visitas aos presos políticos. No fundo, o ritmo de uma eventual mudança era muito diferente na visão de uns e de outros. Mas estamos aqui fazer exercícios de história virtual… Vale a pena recordar uma coisa que ouvi em Luanda no fim de setembro de 1965. Eu fiz serviço militar em Angola. Estivemos primeiro no leste, depois em Ambrizete. Aquando da nossa despedida em Luanda, o chefe do Estado-Maior disse: "Nós, militares, cumprimos o nosso dever, agora é a vez dos políticos". Isso ficou...

 

Portanto, nove anos antes do 25 de Abril, os militares já tinham a noção de que a guerra... 

Alguns militares achavam que a guerra deveria ter uma solução política e não uma solução militar. Para outros, isso só foi evidente quando, na Guiné, o PAIGC passou a ter mísseis terra-ar e a tropa deixou de ter o apoio da Força Aérea. Foi quando o general Spínola disse: é preciso negociar, porque militarmente isto é insustentável.?

 

Sei que é fácil fazer previsões quando já se conhece o desfecho, mas, se tivesse havido uma solução política para o problema ultramarino, o marcelismo poderia ter sobrevivido no tempo e o cenário político de Portugal poderia ter sido outro?

Como disse, é um exercício de história virtual... Havia muitas hipóteses, podia ter havido independências brancas apoiadas pela África do Sul e pela Rodésia do Ian Smith. Na Guiné, certamente a solução seria outra... Mas aquilo era um palco também de confronto Leste-Oeste, e os dados já estavam lançados. Convém não esquecermos que, do ponto de vista geopolítico, o 25 de Abril aconteceu em plena Guerra Fria e que o nosso processo de construção de democracia foi também um campo de batalha das forças que representavam os dois blocos. E a descolonização foi a descolonização possível naquela concreta circunstância.

Foi chamado para a tropa em 1962. Diz no livro que em Santa Margarida passou das noites mais difíceis da vida, "porque me pus a questão de desertar ou não"….

É verdade, e explico porque é que não desertei: não quis carregar toda a vida a dúvida se teria desertado por ter tido medo.

 

Como foi, enquanto soldado, lidar com a morte? Como é enfrentar uma situação-limite?

É uma experiência que nos ajuda muito a conhecermo-nos melhor a nós próprios e a conhecer melhor a natureza humana.

 

E a natureza humana inclui matar?

A natureza humana inclui, sobretudo, defender a vida.

 

Matar?

Não posso falar pelos meus colegas que estiveram em situações de combate, eu nunca estive, mas a guerra é uma situação-limite.

 

Foi-se formando politicamente em Coimbra?

O meu pai era uma pessoa da oposição e foi essa a cultura política em que me formei. Mas já antes tinha uma imagem das diferenças sociais, sobretudo quando passei da pré-primária num colégio privado para a escola oficial, onde muitos colegas andavam descalços e a primeira refeição era a sopa que a camioneta da Legião Portuguesa levava ao almoço. Muitos só fizeram a terceira classe, o obrigatório na altura. Foram muito menos os que passaram da terceira para a quarta classe. Fui o único que fez a admissão ao liceu.

 

Onde foi colega de liceu de Belmiro de Azevedo.

Fomos sempre colegas de liceu, do primeiro ao sétimo ano. Ele era muito bom aluno.

 

E o Rui Vilar?

Também era bom aluno, quadro de honra.

 

A cultura, o teatro, as artes, os desenhos, já eram uma manifestação?

Isso era algo que também fazia parte do convívio no liceu, quer com colegas, quer com alguns professores, que nos incentivavam muito. Lembro-me do professor de Religião e Moral, o padre Brochado, que criou uma espécie de cineclube onde víamos filmes do neorrealismo italiano. Ainda hoje me admiro como é que esses filmes passaram no liceu.

A cultura é um território de liberdade. Depois pode ser instrumentalizado. Mas é fundamentalmente um território de liberdade.

A cultura é um território de subversão?

A cultura é um território de liberdade. Depois pode ser instrumentalizado. Mas é fundamentalmente um território de liberdade.

 

Como é que esse território de liberdade em si casa com a ideia que se tem de todas as atividades que desempenhou nomeadamente, por exemplo, a de presidente da Caixa Geral dos Depósitos? Sei que é da sua responsabilidade o surgimento da Culturgest, mas geralmente não se associa a imagem de um banqueiro à de um amante de cultura.

Quem tem a responsabilidade de gerir recursos alheios tem um enorme dever fiduciário e, portanto, o rigor do exercício dessa profissão não é de maneira nenhuma incompatível com a procura do conhecimento e com a procura da inovação, que são trazidas pela investigação científica ou pelas produções literárias ou artísticas.

 

Durante a sua passagem pelos governos, conviveu com personalidades tão diferentes como Vasco Gonçalves e Melo Antunes. Quais foram as pessoas que mais o marcaram nesse período em que assumiu funções governativas?

Há dois nomes que quero destacar, penso que Portugal lhes deve muito, também pela coragem com que enfrentaram muitas pressões.?Um é o tenente-coronel Costa Braz, responsável, no segundo e terceiro governos, pela lei eleitoral e sobretudo pelo recenseamento oficioso – havia muita gente a defender o recenseamento voluntário, que implicaria o risco de enorme manipulação. Portanto, se houve eleições, muito devemos ao tenente-coronel Costa Braz e à firmeza do general Costa Gomes. Destaco também o major Melo Antunes, o grande responsável pelo chamado Plano Melo Antunes – documento que viria a ser aprovado relativamente tarde e depois rasgado pelo 11 de março. Portanto, acho que devemos estar gratos pelo contributo que deram num período muito difícil da nossa vida. Não me esqueço que muita gente defendia, por exemplo, a presença do MFA na Assembleia Constituinte. E houve muitas vozes que se levantaram contra a realização das eleições. A firmeza daqueles homens permitiu as eleições e fez com que pudéssemos caminhar no sentido da democracia representativa que temos hoje. 

 

No livro, destaca também o banqueiro Cupertino de Miranda que, quando se demitiu do Banco Português do Atlântico, em 1971, disse: "Portugal vai precisar de grandes bancos quando entrar no Mercado Comum". Foi, como se costuma dizer, ter razão antes de tempo?

Sim, Cupertino de Miranda era uma pessoa muito inteligente e tinha uma compreensão viva do que seria a evolução do país. Para ele, o destino europeu era um destino natural.





E estes movimentos de consolidação ainda continuam na banca portuguesa.

Já aconteceram bastante. O número de bancos que hoje existe não se compara com o de há 20 anos.

 

Ironia do destino, o BPA, a seu tempo inovador, acabou nas mãos do BCP, que no início também teve este atributo.

Sim. No fundo, o engenho de Jardim Gonçalves é, de alguma maneira, herdeiro da dinâmica inovadora do Banco Português do Atlântico.

 

Foi para si mais difícil exercer o poder político ou o empresarial?

São de tal maneira diferentes que não é fácil fazer comparações. Um e outro devem ser encarados como serviço. No caso do poder político, estamos a servir cumprindo um mandato dado por quem nos elegeu. No caso da gestão, estamos a cumprir um mandato de servir bem aquele conjunto a que hoje se chama de "stakeholders".

 

Conta, nestas memórias, que a sua presença no Governo oscilou muito entre salvar a economia ou salvar a democracia… 

Na altura, além do Governo, havia muitos outros centros de poder, formais e informais. Era preciso ter em atenção a "correlação de forças", como se dizia. Enquanto ministro da Economia (entre maio e julho de 1974), a minha grande preocupação foi garantir que não havia ruturas nos abastecimentos. Eu seguira com muita atenção o que tinha acontecido no Chile. Para mim foi muito claro que se as prateleiras dos supermercados começassem a ficar vazias e se houvesse falta de produtos nos mercados, as coisas poderiam evoluir de forma complicada. Foi preciso colmatar a perda dos fornecimentos que vinham do Ultramar e, ao mesmo tempo, enfrentar as oscilações da produção nacional, que foi afetada pelo clima de agitação social nas empresas. Foi preciso responder a isto tudo com a política de importações que comandei e que evitou o problema de falta de produtos e o recurso ao mercado negro...

 

O aumento de preços foi tópico de discussão no fim do segundo Governo provisório. Em meados de agosto, Vasco Gonçalves foi à televisão anunciar esses aumentos. Como eram as suas relações com o então primeiro-ministro?

Vasco Gonçalves era uma pessoa obstinada e tinha uma agenda muito própria. E as minhas posições não eram coincidentes com as posições dele. Não nos esqueçamos de que, na véspera das primeiras eleições no nosso país, Vasco Gonçalves fez um apelo ao voto em branco, que é um acto profundamente antidemocrático. Eu não tinha uma boa relação com ele. Ele também não simpatizaria comigo, como é óbvio. E a partir do meu pedido de demissão, em novembro de 1974, eu fiquei no Governo pela confiança que o então Presidente da República me reafirmou.

Depois de sair, nunca mais teve tentações de voltar a um Governo?

Voltei no I Governo Constitucional, a convite de Mário Soares, e depois fiz uma opção em que entendi que podia ser mais útil noutras áreas do que na atividade política.

 

Em que é que baseou esse juízo?

Na minha autoavaliação. Fui convidado depois várias vezes, mas recusei sempre os convites para ocupar lugares no Governo. Foi uma decisão devidamente ponderada.

 

Vê-se mais como um gestor do que como político?

Foi isso que fiz quase toda a minha vida: gerir. Foi assim desde os tempos de Coimbra.

 

Mas, digamos, um gestor na Caixa Geral de Depósitos, ou mesmo aqui na Gulbenkian, também faz política, de alguma forma, ou interfere com a política.

Sim, mas não é política-política. E não é, sobretudo, política partidária. Não me reconheci no tipo de atuação que é a vivência partidária. Talvez porque seja um tipo de disciplina que não se coaduna comigo; porque me sinto muito mais livre sendo só eu. Nunca fiz um aprofundamento, mas para mim foi muito claro que a vida partidária não se identificava comigo e com a minha maneira de ser. Quando estive no Governo, senti que havia outros centros de poder, e, portanto, que a atividade do Governo era condicionada e não podia realizar o programa com inteira liberdade. Claro, a atividade política é sempre uma interação complexa de forças e interesses vários…

A melhor maneira de se mandar bem é saber fazer aquilo que se manda fazer. Foi o Vasco Vieira de Almeida que me ensinou esta fórmula, que eu nunca esqueci.

Começou a liderar desde cedo. Qual é a melhor forma de liderar?

A melhor forma de liderar é pelo exemplo. O Vasco Vieira de Almeida ensinou-me uma fórmula que nunca esqueci: a melhor maneira de se mandar bem é saber fazer aquilo que se manda fazer.

 

Em 1973, Vasco Vieira de Almeida convidou-o para ir a Paris fazer o "turnaround" do Banque Franco-Portugaise. "Durante o dia éramos ferozes banqueiros e à noite íamos ver os comícios, os comícios do Chile…", descreve no livro. Era uma espécie de banqueiro anarquista?

Isso era o Fernando Pessoa.

 

Era aí que eu queria chegar. 

Na altura, eu não era bem banqueiro, era empregado bancário. Mas, como empregado bancário, procurava ser muito bom profissional. Tive sempre essa preocupação. Noutro dia recordei a frase com que o Voltaire termina o "Candide": "Il faut cultiver notre jardin" – "É preciso cultivar o nosso jardim". Cada um de nós tem o dever de, na respetiva tarefa, fazê-la o melhor possível. Seja qual for a tarefa, temos todos o dever de a cumprir o melhor possível. Acho que é uma boa regra de vida.

Eu, que pude vencer a doença, fiquei a dar muito mais valor a esta coisa fantástica que é viver.

Soube que tinha um cancro no dia seguinte a ser eleito presidente da Fundação [Gulbenkian]. [2 de maio de 2002]. De que a forma doença o marcou e mudou?

Fazendo-me dar muito mais valor à vida. Primeiro foi um combate. A doença oncológica não é uma doença em que lutemos contra um micróbio ou uma bactéria ou um acidente exterior. É uma doença dentro de nós próprios. Portanto, é uma prova de resistência que travamos connosco. E sobretudo, eu que pude vencer a doença, fiquei a dar muito mais valor a esta coisa fantástica que é viver.

 

Tem redes sociais?

Tenho Instagram. Utilizo porque gosto de fotografar e de ver fotografias. Mas mais nada.

 

Como é que olha para as redes sociais e para a influência crescente que têm na nossa sociedade e em todos os domínios?

As redes sociais são um facto. Talvez haja uma carência de literacias para lidar com elas. Essas literacias têm de começar em casa, na educação dos mais novos. Não é proibindo as crianças de terem telemóvel. É educando-as para usar aquele instrumento.

 

Por curiosidade, se tivesse de escolher um livro para levar consigo, qual seria?

Eu teria de levar numa pequena mala com um conjunto de livros. Ou então levaria um livro que comprei agora e que ainda não li, do Roberto Calasso, "Le livre de tous les livres" ("O Livro de Todos os Livros"). Seria esse.

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