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CNPD: Novos poderes dos espiões são "agressão grosseira" à privacidade

Se dependesse da Comissão Nacional de Protecção de Dados, a proposta de lei que amplia substancialmente os poderes dos espiões, e que começa a ser discutida esta quarta-feira no Parlamento, não passaria. É uma carta branca para que se possam vasculhar dados sensíveis dos cidadãos, aponta o organismo.

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A proposta do Governo que autoriza os espiões a acederem a informação bancária, fiscal, de tráfego, de localização e às comunicações dos cidadãos, no âmbito de investigações sobre alta criminalidade, configuram uma "devassa" e uma "agressão grosseira aos direitos à privacidade e à protecção de dados pessoais". A avaliação é da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), para quem a nova proposta legislativa dá carta-branca aos espiões para que estes possam vasculhar a vida dos cidadãos, sem as necessárias garantias.

 

Em causa está uma proposta de lei da iniciativa do Governo, que começa a ser discutida esta quarta-feira na Assembleia da República, onde, além de uma revisão das carreiras dos espiões, se ampliam os poderes de acesso a informações por parte do SIS (Sistema de Informações e Segurança) e do SIED (Serviço de Informações Estratégicas).

 

As questões de maior sensibilidade estão previstas no artigo 78º da proposta de lei, onde se prevê que os oficiais de informações poderão "aceder a informação bancária, fiscal, dados de tráfego, localização ou outros dados conexos das comunicações", "sempre que eles se revelem adequados e proporcionais" para o cumprimento das suas funções. E entre as novas funções dos espiões, consta agora também a "prevenção da criminalidade altamente organizada de sentido transnacional".

 

Funções sobrepostas com a Polícia Judiciária

A CNPD começa por questionar a necessidade de ampliação destas funções do SIRP, uma vez que, sublinha, a investigação de crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, armas e estupefacientes, a corrupção, o tráfico de influências e o branqueamento de capitais (definidas como criminalidade altamente organizada), é uma tarefa que já está adstrita à Polícia Judiciária. Neste cenário, haveria "organismos públicos com competências sobrepostas, cujo exercício se repercute, de forma intrusiva, directamente na privacidade dos cidadãos", assinala o organismo.

 

Mas, mesmo admitindo necessidade de haver duas entidades a fazer a mesma coisa, a CNPD considera que os meios propostos para esta investigação não justificam os fins.

 

"Carta branca" para vasculhar informação sensível

No parecer já enviado à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a CNPD lembra que a Constituição (CRP) só autoriza a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas comunicações privadas dos cidadãos se estiver em curso um processo criminal. Ora como o Governo quer que este acesso se possa fazer no âmbito de uma qualquer investigação, sem necessidade de haver processo-crime, há uma violação da CRP e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

 

A proposta de lei prevê que o acesso a estes dados seja autorizada por uma Comissão de Controlo Prévio, constituída por três juízes do Supremo Tribunal de Justiça, mas tal não é garantia suficiente, diz a CNPD, para quem um órgão administrativo, como esta comissão, não se pode equiparar a um órgão judicial.

 

Outra diferença fundamental é que, no âmbito de um processo-crime, a recolha de dados pessoais é delimitada aos suspeitos, enquanto aqui se abre a porta ao tratamento de informação "massiva" de forma a detectar perfis de conduta. Em suma, o legislador quer "dar carta-branca aos serviços do SIRP para vasculhar os dados pessoais sensíveis de todos os indivíduos que se encontrem em território nacional, sem dependência de qualquer controlo prévio".

 

No caso particular dos dados bancários e fiscais, a CNPD lembra que, quem aceder a esta informação, fica a saber que rendimentos auferimos, como o ganhamos, como, onde e quanto gastamos, entre outras particularidades. E aqui, diz o organismo, já existem formas para aceder a estes dados, quando tal se revele necessário, quer através do "mecanismo de interacção criado pela Lei de Segurança Interna", quer através da pretensão, que a proposta também prevê, de que os dirigentes do SIS e do SIED possam aceder directamente às bases de dados da Administração Pública mediante protocolo com os respectivos organismos.

 

Por fim, a CNPD deixa uma nota para as normas que obrigam os espiões a apresentarem um registo de interesses público. Para o organismo presidido por Filipa Calvão, esta informação de carácter pessoal não pode ser deixada na internet para consulta pública. 

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