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Carta de despedida de Brigas Afonso: "Essa lista não existe e nunca existiu"

Num email de despedida enviado aos funcionários, o director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira nega que exista qualquer lista VIP. Mas admite que estão a ser ponderadas medidas especiais, que não estão ainda implementas, e das quais não terá dado conhecimento ao Governo. É por esse equívoco que se demite, diz.

Bruno Simão/Negócios
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Passava poucos minutos das 11 da manhã quando António Brigas Afonso fez chegar um email aos 10 mil funcionários da AT a dar-lhes conhecimento do que os noticiários já tinham ecoado: tinha apresentado a sua demissão à ministra das Finanças, e a relacionar a sua saída com as noticias sobre a polémica "lista VIP".

 

Depois do contexto, Brigas Afonso é peremptório ao garantir que "essa lista não existe e nunca existiu, como a AT já informou".

 

"Todos os processos disciplinares que são do conhecimento público resultam exclusivamente de notícias publicadas nos jornais com violações consumadas do direito ao sigilo e de queixas de contribuintes individuais sobre acessos indevidos aos seus dados pessoais", prossegue o director-geral da AT, que garante ainda que "não foi aberto nenhum processo contra funcionários que efectuaram consultas no exercício das suas funções".

 

Contudo, no parágrafo seguinte, Brigas Afonso deixa no ar a possibilidade de existência de diligências no sentido da elaboração de algum tipo de mecanismo que detecte antecipadamente a consulta do cadastro de alguns cidadãos. Diz o agora ex-director-geral que "a importância e a sensibilidade da protecção dos dados pessoais dos contribuintes exigem da AT a adopção de metodologias preventivas, e não apenas reactivas, contra a intrusão e o acesso ilícito, estando a ser ponderadas novas alternativas, mas sem que nenhuma tenha sido até agora implementada".

 

Numa outra carta, onde apresenta o pedido de demissão à ministra das Finanças, que está a ser avançada pela Lusa, Brigas Afonso vai mais longe sobre este assunto. "Tenho consciência de que, ao não ter informado a tutela destes procedimentos e estudos internos, possa ter involuntariamente contribuído para criar uma percepção errada sobre a existência de uma alegada lista de determinados contribuintes, razão pela qual coloco o lugar à disposição".

 

Nessa mesma carta, o director-geral demissionário enfatiza que o Governo não teve qualquer intervenção nesta questão e que a AT "nunca" recebeu qualquer lista por parte de "nenhum membro do Governo" nem "nunca recebeu quaisquer instruções, escritas ou verbais, de qualquer membro deste Governo" para elaborar aquela lista, explicando ao longo da carta, de forma cronológica, os vários acontecimentos que agora levam à sua demissão.

 

Em setembro do ano passado, explica Brigas Afonso na carta enviada à ministra das Finanças, e divulgada pela Lusa, a área de segurança informática da AT propôs um procedimento de controlo de acesso aos dados, com mecanismo de alerta de determinados contribuintes e verificação da legalidade das respetivas consultas.

 

No mês seguinte, em Outubro, o subdiretor-geral, substituto-legal de Brigas Afonso despachou favoravelmente essa informação, solicitando uma avaliação sobre as medidas propostas e que fosse apresentada uma proposta de implementação de uma medida definitiva de salvaguarda do sigilo fiscal.

 

Paralelamente a este procedimento e de forma totalmente autónoma e sem relação com os acontecimentos anteriores de setembro e outubro, explica o diretor demissionário, foi decidido também em setembro, e "de acordo com procedimentos habituais", abrir um procedimento de auditoria na sequência de notícias que revelavam indícios de violação do direito do primeiro-ministro, Passos Coelho, ao sigilo fiscal.

 

Brigas Afonso diz também que nos últimos anos foram abertos "diversos" procedimentos de auditoria e de inquérito com base em noticias publicadas na comunicação social, referentes a outros contribuintes, que não o primeiro-ministro.

E reafirma que todos os processos e procedimentos em questão são do foro estritamente interno da AT, não tendo origem na tutela politica, que não teve conhecimento desses procedimentos em nenhuma fase, prosssegue a Lusa. 

 

Mas explica que, em resultado da sua decisão de setembro de averiguar fugas de informação sobre a situação fiscal de Passos Coelho, a direção-geral de Serviços de Auditoria Interna (DSAI) elaborou em novembro um relatório de auditoria a eventuais consultas de dados pessoais do primeiro-ministro, no qual é feita uma "desadequada e errada" referência à implementação de uma medida de controlo de acessos a determinados contribuintes.

 

Brigas Afonso garante ainda que nuca foi recebida por parte da DSAI a proposta de concretização da medida de controlo sugerida; nunca foi constituída qualquer lista de contribuintes nem acionados quaisquer alertas.

 

Por fim e já em fevereiro de 2015, Brigas Afonso, depois de analisar a medida e mais uma vez, sublinha, sem dar conhecimento à tutela, decidiu dar sem efeito aquele procedimento "por ter concluído que a utilização das tecnologias mais recentes proporciona modelos de auditoria com resultados mais eficientes e aplicáveis de forma transversal a todos os contribuintes".

 

Voltando à carta enviada aos funcionários, Brigas Afonso diz que o seu pedido de demissão "destina-se apenas a proteger a AT da polémica que já se situa fora do âmbito da protecção de dados pessoais e do patamar institucional da AT".

 

Recorde-se que esta manhã, Paulo Núncio, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) acabou por admitir a existência de uma "lista VIP" e sugeriu que o Governo foi enganado sobre este tema.

 

O Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos (STI) já disse que não acredita nesta versão da história. Garante que Brigas Afonso é dos que menos responsabilidade tem, e aponta o dedo ao subdirector-geral para a Justiça Tributária, José Maria Pires, e ao próprio secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

 

O STI vai mesmo mais longe e pede a demissão do subdirector-geral para área da Justiça Tributária. 

 

 

Notícia actualizada às 13H30 com mais informação sobre o conteúdo da carta enviada por António Brigas Afonso à Ministra das Finanças. 

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