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Bruxelas toma decisão inédita e rejeita orçamento de Itália
A Comissão Europeia recusou a proposta de orçamento apresentada pela Itália, uma decisão inédita da parte do órgão executivo da União Europeia.
A decisão foi formalmente anunciada na conferência de imprensa que se seguiu ao encontro do colégio dos comissários que decorreu em Estrasburgo. Coube ao comissário europeu para os Assuntos Económicos, Pierre Moscovici, e ao vice-presidente da Comissão com a tutela do euro, Valdis Dombrovskis, fazer o anúncio e explicar esta "situação inédita".
Depois de uma manhã em que aliviaram face às subidas acentuadas registadas nas últimas semanas, os juros da dívida pública transalpina reagiram em forte alta ao anúncio feito pelo comissário letão, com a "yield" correspondente aos títulos soberanos transalpinos a 10 anos a disparar 9,7 pontos base para 3,588%.
Pierre Moscovici recorda que as metas assumidas pelo executivo italiano representam um "desvio claro e assumido", notando que na resposta ao pedido de clarificação feito pela Comissão, o ministro transalpino das Finanças, Gioavanni Tria, assumia que o não cumprimento das regras do Pacto de Estabilidades da União Europeia tinha sido uma "decisão difícil mas necessária à luz do persistente atraso na recuperação dos níveis do PIB pré-crise e das dramáticas condições económicas em que se encontram os estratos mais desfavorecidos da sociedade italiana".
Giovanni Tria colocou-se assim em contradição com as garantias dadas por ele próprio no Eurogrupo de Setembro quando, perante as dívidas em torno das novas prioridades orçamentais de Itália, assegurou que o país iria apresentar uma proposta conforme as regras europeias. "O governo italiano está aberta e conscientemente a contrariar os compromissos que assumiu", rematou Dombrovskis.
Já o comissário Moscovici exclui que Bruxelas vá interferir em "questões internas" italianas, contudo admite que tentará influenciar a nova proposta de Roma com base num "diálogo construtivo" que terá como objectivo central encontrar medidas capazes de continuar a reduzir a elevada dívida pública de Itália. Moscovici mostrou-se confiante e fez questão de notar que, na visita de dois dias que realizou na semana passada à capital italiana, pôde constatar que todos os interlocutores que encontrou em Roma "estão firmemente a favor da Europa". "O ministro Tria disse que o lugar de Itália é na Europa e na área do euro e estou totalmente de acordo", acrescentou.
A acção da Comissão Europeia inaugura formalmente um embate que estava há muito escrito nas estrelas. O Movimento 5 Estrelas e a Liga, que formaram governo em Junho, garantiram as melhores votações de sempre depois de uma campanha eleitoral que, entre outros elementos, continha uma retórica fortemente crítica da União Europeia. Com garantias de fim da austeridade, as duas forças anti-sistema prometiam bater o pé a Bruxelas. Do lado da Comissão, o desafio apresentado pela Itália é tanto mais preocupante por se tratar não apenas de um Estado-membro fundador da UE e da Zona Euro mas da terceira maior economia da moeda única.
Comissão impele Itália a manter trajectória de redução da dívida
Apesar de o orçamento expansionista proposto pelo governo anti-sistema de aliança entre o 5 Estrelas e a Liga ter elevado as metas do défice para os próximos três anos, é o défice estrutural, a dívida e o crescimento previstos na proposta orçamental que suscitam mais apreensão em Bruxelas. No entanto, na carta entretanto enviada para Roma, a Comissão lembra que o défice de 2,4% para 2019 presente no orçamento está muito acima dos 0,8% inscritos no Programa de Estabilidade aprovado em Maio.
Quanto ao esforço de consolidação orçamental (medido pela evolução do saldo estrutural, que desconta os efeitos do ciclo económico), a Comissão Europeia reitera que em vez de uma melhoria está prevista uma deterioração. Salienta ainda que não é cumprida a recomendação feita em Julho pela Comissão para que o crescimento da despesa líquida primária não excedesse 0,1 pontos percentuais em 2019.
Sobre o crescimento económico previsto, a instituição liderada por Jean-Claude Juncker volta a considerar que as previsões são muito optimistas, um optimismo que se reflecte na previsão de descida da dívida pública em níveis que a Comissão considera questionáveis.
Itália argumenta que as medidas favoráveis ao crescimento económico previstas no orçamento vão compensar a deterioração do saldo estrutural, e vão acabar por se repercutir na descida do endividamento público. Reticente, Dombrovskis lembrou que num nível superior a 130% do PIB, a dívida italiana é a segunda mais alta da Europa mas o custo do serviço da dívida é o mais alto da UE. Em 2017, Itália gastou cerca de 65,5 mil milhões de euros em juros da dívida (3,8% do PIB), o equivalente à despesa alocada pelo governo italiano para o sector da educação, precisou o letão.
Acerca da estratégia de crescimento do actual governo transalpino, que aposta em défices mais altos para pagar um programa de investimento público capaz de promover o crescimento, Dombrovskis garante que é errada: "défices orçamentais e dívida mais elevados não trazem crescimento. E uma dívida excessiva torna a economia mais vulnerável a futuras crises". Porque se uma "política orçamental mais flexível afecta a confiança pode, na verdade, ter o efeito oposto no crescimento", conclui o vice-presidente da Comissão.
Aqui chegados e depois de, em Maio passado, a Comissão não ter aberto um procedimento por défices excessivos a Itália porque, na altura, o governo então liderado por Paolo Gentiloni (PD) mantinha um "amplo cumprimento dos seus compromissos", as coisas podem agora mudar, alerta Moscovici. Isso significa que Itália pode estar na antecâmara de ser alvo de sanções por incumprimento das regras europeias, já que a actual proposta orçamental representa uma "alteração substancial" face aos compromissos anteriormente assumidos.
"A bola está agora do lado do governo italiano", diz Moscovici. Antes de receber a bola, o governo transalpino tem afirmado não ter condições para alterar um orçamento desenhado a pensar nos italianos.