Notícia
Alta tensão está de regresso a Atenas
Não estamos no Verão de 2015, mas todos os ingredientes que levaram à quase saída da Grécia do euro estão de regresso.
Prazos violados, propostas de leis adiadas, ameaça de legislar sem o aval dos credores, missões da troika que começam e acabam sem resultados, greves e protestos nas ruas, dinheiro a acabar, desavenças na coligação governamental, rumores de eleições antecipadas, FMI e europeus sem acordo sobre o que fazer à dívida e até uma visita inesperada a Paris de Alexis Tsipras a François Hollande para transformar em "políticas" decisões que supostamente seriam "técnicas" – e que Berlim insiste que assim permaneçam. Não, não estamos no Verão de 2015.
Desde então, Atenas recebeu a promessa de um terceiro resgate de 86 mil milhões de euros, tornou-se fulcral na contenção da vaga de migrantes que é hoje uma ameaça à paisagem política até na Alemanha e recebeu a visita de António Costa, a primeira de um primeiro-ministro de um país do euro que entrou e saiu de um resgate com o qual assinou um documento conjunto contra a "austeridade quando aplicada isoladamente". Tirando isso – que não é pouco - todos os ingredientes que levaram há quase um ano à quase saída da Grécia do euro estão de regresso numa combinação, de novo, potencialmente explosiva.
Na base está um problema crónico de implementação do acordado, sobretudo no que respeita à reforma do sistema pensionista e da legislação fiscal. Atenas dedica o equivalente a 10% do seu PIB ao financiamento das pensões, o que compara com uma média europeia de 2,5% – uma "generosidade inexequível", avisa há muito o FMI. Por outro lado, abolir isenções e taxas reduzidas para armadores, agricultores e igreja ortodoxa continua a ser um tremendo quebra-cabeças para qualquer governo – e, nestes anos de crise, o país já foi governado por gente de praticamente todo o espectro político, da extrema-esquerda à extrema-direita, actualmente juntas no Executivo.
Solução mais fácil? IVA
Perante a incapacidade de mexer em rubricas que mexem com grupos com grande capacidade de contestação e de paralisar o país, o governo de Atenas estará a ponderar voltar a subir a taxa normal do IVA de 23% para 24%, tentando, desde modo, angariar receita que permita reduzir a parcela do défice que a troika queria ver eliminada com cortes da despesa.
Segundo o jornal To Vima, a taxa do imposto deverá subir a partir de Julho e a expectativa é que gere cerca de 500 milhões de euros anuais de receitas adicionais. Escreve a Lusa que, com esta medida, o Governo pretende compensar o 'buraco' equivalente a 1% do PIB nos Orçamentos do Estado de 2017 e 2018 resultante, segundo os credores, das decisões do ano passado de não subir o IVA de 13% para 23% na factura da água e da luz e de limitar a subida do IVA das escolas privadas.
Esta já tradicional medida de recurso para tapar o buraco das contas do Estado poderá, no entanto, revelar-se insuficiente para que Atenas conclua com sucesso a primeira avaliação deste terceiro resgate. E sem uma primeira avaliação "bem sucedida" (que deveria ter acontecido ainda em 2015) não avança a promessa europeia de voltar a esticar os prazos de carência (actualmente fixados em dez anos) e de amortização (30 anos) da pesada dívida pública grega. E sem isso, o FMI diz que não poderá participar no financiamento deste novo resgate, por considerar que, nas actuais condições, a dívida grega, a caminho dos 200% do PIB, é "altamente insustentável". Sucede que a Alemanha quer o FMI a plenamente bordo também deste terceiro resgate – ou seja, activo a fazer recomendações técnicas, como está, mas também a passar cheques para Atenas. Foi essa a promessa que Angela Merkel e Wolfgang Schäuble fizeram ao seu parlamento (e ao próprio partido) para voltar a financiar o Estado grego.
Porta de entrada de refugiados também é trunfo
Alexis Tsipras quer, porém, tentar inverter os termos do que ficou acordado no Verão passado e desenrolar esta "pescadinha de rabo na boca" a seu favor. Não tanto porque precise de alívio imediato da dívida (a primeira amortização dos empréstimos europeus está agendada para 2022), mas porque quer criar uma situação que impeça o envolvimento financeiro do FMI – o "polícia mau" da troika.
O primeiro-ministro grego estará convencido de que, nesses moldes, a vigilância sobre o cumprimento do memorando será mais branda e as suas exigências e condições poderão então ser rapidamente reescritas. É nesse contexto e com esse propósito que pediu – e obteve – o apoio de António Costa, que terá ido a Atenas depois de um empurrão de François Hollande. Já o presidente francês ficou em casa: recebeu nesta quarta-feira o primeiro-ministro grego no Eliseu, e concedeu-lhe uma audiência de hora.
Resta saber se a estratégia de Tsipras tem pernas para andar. No plano da economia e da Zona Euro, ficou claro no ano passado que a Grécia não representa um risco sistémico, teoria que embalou as manobras desastrosas de Yanis Varoufakis que acabaram no fecho dos bancos. Pode, sim, ser um factor importante de perturbação dos mercados financeiros – e Lisboa que se cuide, porque as condições de financiamento da dívida portuguesa têm tudo para ser as primeiras a levar por tabela. No limite, pode até acelerar a reestruturação - não da dívida grega, mas da própria União Europeia.
Tsipras quererá, porém, testar o peso de um outro activo: a posição geopolítica do seu país no contexto dramático da crise dos refugiados que tornou a Grécia (porta de entrada) numa parceira indispensável da Alemanha (destino final pretendido pela larga maioria dos muitos milhares de migrantes que têm atravessado o Mediterrâneo). "A chanceler alemã está a contar imenso com o acordo UE-Turquia (para reduzir a entrada de migrantes na Europa), o que exige tolerância e colaboração da Grécia. Todos percebem que se a Grécia se tornar num Estado falhado, com refugiados e migrantes a entrar e sair e milhares de pessoas furiosas na fronteira helénica, isso não servirá, de forma alguma, os interesses europeus", analisa Alexis Papachelas no Kathimerini.
Novamente à porta de saída do euro?
O enorme "se" está em saber se a Alemanha - e os muitos países que defendem o cumprimento das regras e que se escondem por detrás das suas costas largas - estará na disposição, ou sequer se terá condições políticas, para aceitar, menos de um ano depois, uma renegociação do terceiro resgate concedido à Grécia no espaço de cinco anos.
Muitos governos europeus, incluindo o alemão, defendem que uma Zona Euro credível passa também por ter instrumentos para tratar dos seus e dispensar o FMI. Mas as condições para o alívio de dívida pública também ficaram muito bem delineadas há um ano: quem quiser perdões de outros Estados, deve ausentar-se "temporariamente do euro". Este poderá ser, de novo, o dilema em que Alexis Tsipras se está a armadilhar.