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Há alguma forma de travar o Brexit?
Os britânicos decidiram sair da UE. Mas depois alguns sinais de aparente arrependimento, de não haver medidas preparadas para isso e de os líderes britânicos estarem a pedir tempo, haverá planos para travar o Brexit?
No referendo à permanência do Reino Unido na União Europeia, os britânicos decidiram pela saída do bloco europeu. Mas após esta decisão, muitas dúvidas permanecem. Neste sentido, o The Guardian escreve um artigo onde tenta responder às principais perguntas.
A primeira prende-se com o grau de preparação do Executivo britânico para a saída. De acordo com o jornal, foi realizado "muito pouco trabalho preparatório" para acautelar a decisão de saída. O resultado do referendo levanta muitas questões constitucionais, sendo uma delas qual o papel do parlamento britânico no Brexit. "O Governo britânico ainda não disse como é que o parlamento deve implementar a decisão de sair. Não é claro, por exemplo, se e quais leis têm de ser aprovadas para colocar a decisão de sair da União Europeia em vigor", escreve o The Guardian.
Será que o parlamento pode parar o Brexit? Sobre esta questão, o jornal aponta que "não há uma maioria nem na Câmara dos Comuns nem na Câmara dos Lordes para que o Reino Unido saia". "De facto, dada a liberdade de voto, os Lordes não eleitos provavelmente iriam rejeitar o Brexit por uma margem de seis para um". Mas há, ainda assim, uma questão que se coloca ao próximo primeiro-ministro: o que é que vai acontecer quando tentarem impulsionar o Brexit num parlamento que pode adiar o processo a cada momento, refere a publicação.
O referendo pode ser apenas consultivo? O The Guardian escreve que é pouco provável que a maioria dos membros do parlamento esteja disponível para ir contra a vontade da maioria dos eleitores. O que é mais plausível, escreve o diário, é que a Câmara dos Comuns tente estabelecer as condições na renegociação. Condições como: acesso ao mercado único, adesão à Associação Europeia de Comércio Livre e a preservação da união com a Escócia. Sendo que, há várias formas para atrasar o processo de saída. Um desses exemplos é que não é claro que se para accionar o artigo 50 do Tratado de Lisboa é necessário a autoridade do parlamento. Apesar de muitos juristas apontarem que não, questões do foro político podem exigi-lo.
Política e negócios
Há duas questões que os líderes políticos terão de acautelar após o referendo. O parlamento pode não querer ser apenas informado das decisões do Governo em matéria de saída do bloco europeu. Por isso, escreve o The Guardian citando o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Philip Hammond, vai ter de ser feita uma espécie de troca entre o nível de acesso que o Reino Unido vai ter ao mercado único - uma das preocupações principais do sector empresarial – e nível de liberdade de movimentos da força de trabalho – preocupação política.
Em relação a um segundo referendo, há alguma pressão para a sua realização. Mas, provavelmente, poucos políticos vão tornar essa visão pública.
Há três cenários políticos que podem ser especulados. O primeiro é: o ex-mayor londrino e candidato conservador Boris Johnson vence as eleições gerais, torna-se primeiro-ministro, negoceia os termos da saída do Reino Unido, referenda essas mesmos termos e estes serão apoiados pelos britânicos. Nesses termos existirá uma forma do Reino Unido ter acesso ao mercado único e alguma liberdade de movimentos.
Num segundo cenário, no centro está o Partido Trabalhista. Com um novo líder, os trabalhistas apresentam-se como um partido pró-europeu mas comprometem-se a procurar um novo acordo na liberdade de movimento dos trabalhadores dentro do bloco europeu. Algo que exige que um "travão de emergência". Mas que a chanceler alemã, Angela Merkel, já recusou. O The Guardian refere que muitos ministros dos Negócios Estrangeiros esperam que Merkel recue nesta ideia. Até porque no manifesto para as eleições de 2017, o Partido Trabalhista diz que vai dar à população um segundo referendo nos termos precisos das negociações.
Neste panorama, os trabalhistas iriam capitalizar um novo potencial acordo sobre a imigração com a UE, o que levaria muitos dos eleitores que votaram para sair a arrependerem-se, o que poderia dar margem para que o líder dos trabalhistas apelasse a uma entrada/manutenção. Se o resultado das eleições mostrasse que a Câmara dos Comuns fica com uma maioria pró-europeia, isto poderá evitar uma saída do Reino Unido. Haveria espaço para um segundo referendo aos termos da saída ou mesmo à permanência no bloco europeu.
O terceiro cenário trás para cima da mesa a Escócia. A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, já fez saber que indicou aos membros do parlamento do país para recusarem dar a sua "autorização legislativa" se e quando a instituição for instada a ratificar a retirada do Reino Unido da UE. E as consequências das implicações constitucionais desta retenção escocesa estão apenas agora a serem exploradas.
O caso irlandês e dinamarquês
"Em 1992, os dinamarqueses votaram para rejeitar o Tratado de Maastricht. Os irlandeses votaram para rejeitar tanto o Tratado de Nice em 2001 como o Tratado de Lisboa em 2008. E o que é que aconteceu em qualquer dos casos? A EU andou em frente. Aos dinamarqueses e irlandeses foram atribuídas algumas concessões pelos parceiros europeus. Eles realizaram um segundo referendo. E à segunda vez votaram para aceitar os tratados. Por isso, conhecendo esta história, porque deve alguém acreditar que a decisão do referendo é definitiva?". São estas algumas das primeiras linhas do artigo de opinião do colonista do Financial Times, Gideon Rachman.
O colunista aponta que Boris Johnson optou por apoiar a saída do Reino Unido porque essa era a maneira de atingir um fim: chegar a primeiro-ministro. Mas antes de ser político, Johnson foi correspondente em Bruxelas e, por isso, conhece bem o desfecho dos segundos referendos. Além disso, se chegar à liderança do governo britânico, Rachman antecipa que Johnson possa mudar de lado e lutar por uma manutenção. E os parceiros europeus deverão estar abertos a esta possibilidade.
"Podemos ver isso na conversa do ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble, sobre negociar um estatuto de membro ‘associado’ para o Reino Unido. Na realidade, o Reino Unido já beneficia de uma forma de membro associado dado que não participa na união monetária nem no espaço Schengen. Negociar algumas formas nas quais o país podem distanciar-se mais do centro do bloco, mantendo acesso ao mercado único seria meramente elaborar um modelo que já existe.", descreve.
Sobre o tipo de concessões que teriam de ser dadas para efectivar este cenário, Rachman não tem dúvidas: um travão de emergência na movimentação de pessoas seria o que é necessário para que Johnson vença um segundo referendo. O colunista considera mesmo que: "se a campanha pela ‘permanência’ conseguir lutar por um segundo referendo com a resposta adequada à questão da imigração deverá ser capaz de vencer de forma bastante fácil".
E entre os motivos que podem levar o bloco europeu a aceitar isto está o facto de o Reino Unido ser um membro valioso do bloco europeu, ser o maior contribuinte para o orçamento e ser uma potência militar e diplomática. Além disso, será doloroso para o Reino Unido perder acesso ao mercado único mas também será doloroso para a UE perder acesso ao mercado de trabalho britânico.