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Boris Johnson faz ultimato: só negoceia com Bruxelas se UE deixar cair backstop
O primeiro-ministro resolveu adotar uma posição de força, garantindo que não vai negociar com os líderes europeus um acordo de saída da UE depois de Bruxelas aceitar renegociar os termos do divórcio que dizem inegociáveis. Boris Johnson deixa pendurados os convites feitos por Merkel e Macron.
Não se antecipavam fáceis, mas os primeiros sinais dados por Boris Johnson indiciam que as negociações entre Londres e Bruxelas com vista a uma saída acordada do Reino Unido da União Europeia serão complexas, isto se chegarem a acontecer. A menos que os líderes europeus abdiquem do mecanismo de salvaguarda para evitar a reposição de controlos fronteiriços entre as duas "Irlandas", o famoso backstop, o recém-empossado primeiro-ministro britânico não quer ouvir falar em regresso à mesa de negociações.
Esta postura de Boris Johnson deixa, pelo menos por agora, sem efeito os convites para diálogo feitos pela chanceler alemã, Angela Merkel, e pelo presidente francês, Emmanuel Macron, já que o primeiro-ministro do Reino Unido, apesar de pretender alcançar um compromisso aceitável para ambas as partes, considera que não se justifica encetar conversações cara a cara se a UE não ceder, explicou uma porta-voz do líder conservador na habitual sessão de esclarecimento aos jornalistas que acompanham Westminster.
A posição do presidente dos "tories" surge já depois de, no final da semana passada, Michel Barnier, responsável pela condução do diálogo com Londres acerca do processo do Brexit, ter apelado aos líderes europeus que se mantenham unidos e alinhados com as prioridades e linhas vermelhas definidas por Bruxelas de cara à negociação da saída britânica do bloco europeu.
Barnier, assim como diversos outros responsáveis europeus, entre os quais o primeiro-ministro irlandês, Leo Varadkar, reiteraram que os termos do divórcio previstos no tratado jurídico firmado entre os líderes europeus e a ex-primeira-ministra Theresa May, que foram por três vezes chumbados pela Câmara dos Comuns (câmara baixa do parlamento britânico), são intocáveis. Bruxelas mostra somente abertura para renegociar a declaração política conjunta que estabelece quais os princípios que devem nortear a futura relação UE-Reino Unido.
Por sua vez, Boris Johnson, um eurocético que foi um dos principais protagonistas da campanha do "leave" que terminou com a vitória do brexit no referendo de 2016, afirmou, no primeiro discurso feito no parlamento enquanto primeiro-ministro, que o acordo de saída nunca será aprovado nos atuais termos, pelo que "precisa ser alterado". A principal alteração, concretizou Johnson, passa precisamente por deixar cair a exigência europeia relativa ao backstop.
Até que exista um acordo comercial entre os dois blocos que permita dispensar controlos rígidos na fronteira irlandesa, a UE exige esse mecanismo de salvaguarda segundo o qual a Irlanda do Norte permanece integrada no mercado único europeu (e obrigada a respeitar as quatro liberdades de movimentos: pessoas, serviços, bens e capitais) e o Reino Unido alinhado às regulamentações comunitárias, possibilidade liminarmente rejeitada pelos "hard brexiteers" e pelos deputados unionistas irlandeses (DUP) que até aqui garantiam, no parlamento britânico, apoio maioritário ao executivo de May. Esse apoio terá agora de ser renegociado por Boris Johnson.
Johnson contraria número dois
Já depois das explicações referidas pela porta-voz, foi o próprio primeiro-ministro a falar publicamente para confirmar que não pretende negociar antes de a UE dar sinais de boa-vontade, deixando cair a exigência do backstop. No entanto, Johnson acabou por contrariar as afirmações hoje feitas pelo seu número dois no governo, o também eurocético Michael Gove, ex-ministro do Ambiente.
Gove, que está incumbido dos preparativos para um Brexit sem acordo, assumiu que Londres está a trabalhar de acordo com o pressuposto de que a saída da UE será consumada de forma desordenada, mas o primeiro-ministro garantiu que "não, absolutamente não". As declarações de Michael Gove atiraram a libra para o valor mais baixo face ao dólar em mais de dois anos.
"O meu pressuposto é o de que poderemos alcançar um novo acordo, estamos a trabalhar para um novo acordo, mas é claro que Michael Gove está totalmente certo ao dizer que qualquer governo deve preparar-se para um não acordo", justificou em declarações reproduzidas pelo Politico.
Boris Johnson rodeou-se no novo governo por elementos alinhados às suas ideias anti-UE e trabalha de forma a garantir que o Brexit acontece, como previsto, no próximo dia 31 de outubro, "sem ses nem mas".