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Boris Johnson, o ministro que se demitiu para ser primeiro-ministro
Após 30 anos a preparar caminho, Boris Johnson chegou finalmente ao destino há muito anunciado ao ser eleito presidente do Partido Conservador para, já esta quarta-feira, ser apontado primeiro-ministro.
Sem direito a surpresas, o Partido Conservador anunciou esta manhã que Boris Johnson venceu a corrida à liderança dos "tories", derrotando o rival Jeremy Hunt num processo eleitoral que se prolongou durante um mês. Foi uma vitória contundente, com Johnson a receber 92.153 votos do total de cerca de 160 mil militantes conservadores habilitados a votar, enquanto Hunt se ficou pelos 46.656 votos.
Esta terça-feira efetiva-se a demissão de Theresa May como líder conservadora e na quarta-feira Boris Johnson é recebido pela rainha no Palácio de Buckingham para ser formalmente designado primeiro-ministro do Reino Unido. No curto discurso de vitória, um "honrado" Boris Johnson agradeceu o serviço prestado por May e destacou o grande adversário que foi Hunt nesta disputa pela liderança "torie".
Cumpre-se assim um desfecho há muito anunciado e chega ao fim o trilho percorrido durante mais de 30 anos por Johnson para ocupar o número 10 de Downing Street.
Como detalha a revista The Atlantic, todo o percurso político de Boris Johnson – mesmo quando foi jornalista – foi pensado com base na intenção de, um dia, chegar à liderança dos "tories", com cada "passo a ser o prelúdio do seguinte", num percurso sempre ascendente.
Os últimos passos foram já dados sem estar no exercício de cargos públicos, mas bem ativo na vida política. Johnson demitiu-se de ministro dos Negócios Estrangeiros em julho do ano passado em oposição aberta à estratégia de May para a saída do Reino Unido da União Europeia.
O processo do Brexit foi precisamente o fator que mais contribuiu para a chegada ao destino pretendido. Depois de David Cameron se ter demitido devido à derrota no referendo ao Brexit promovido pelo próprio, Boris surgiu logo na linha da frente para lhe suceder.
Tendo liderado a campanha favorável ao divórcio do bloco europeu pelo lado dos "tories", Johnson acabou por não se apresentar na corrida à sucessão de Cameron, sobretudo porque outro "hard brexiteer" (Michael Gove) acabou por não o apoiar, apostando na sua própria candidatura.
Eleita Theresa May, a primeira-ministra escolheu Johnson para a pasta dos Estrangeiros, no que foi uma espécie de prémio ao papel por este desempenhado na campanha pró-Brexit e uma forma de tentar unir as diferentes correntes internas do partido. Este cargo, sempre relevante, foi-o mais ainda mais dada a necessária negociação com Bruxelas dos termos da saída.
A atuação do então ministro surge várias vezes relatada como de boicote a uma solução consensualizada e capaz de satisfazer ambas as partes. Boris Johnson, um crítico de sempre à presença britânica na UE, terá usado a sua posição para dificultar as possibilidades de as partes alcançarem um compromisso aceitável de ambos os lados do Canal da Mancha. Acerca das negociações, Frans Timmermans, comissário europeu, afirmou recentemente sempre ter tido a "impressão de que Johnson estava a fazer jogos".
O jogo não durou muito. Após dois anos no cargo e quando as posições de Londres e Bruxelas já começavam a dar os primeiros sinais de afastamento, Johnson demitiu-se dos Negócios Estrangeiros em forte oposição à estratégia negocial derrotista adotada pela primeira-ministra. "O Brexit deveria ser sobre oportunidades e esperança", justificou numa carta de demissão cujo principal alvo foi May e não Bruxelas.
Desde então, a coluna de opinião no influente The Telegraph foi palco para intensificar a oposição a um governo que apesar de ser do seu partido era chefiado pela rival May.
Os sucessivos insucessos da primeira-ministra na frente do Brexit (o único dossier em que May pôde concentrar-se nos anos como chefe de governo) e os três chumbos do parlamento britânico ao acordo de saída negociado com os líderes europeus constituíram os degraus em falta até Downing Street.
Com Theresa May cada vez mais pressionada, Johnson aproveitou uma aparição num evento público para dizer que seria candidato à sucessão da primeira-ministra que, fragilizada, prometera dias antes demitir-se se a Câmara dos Comuns aprovasse os termos jurídicos do divórcio com a UE.
Sem conseguir o grande objetivo de "cumprir o mandato" do resultado do referendo e garantir a saída da União na data inicialmente prevista para o passado dia 29 de março, e líder de um partido cada vez mais fraturado entre "remainers", "brexiteers" e "hard brexiteers", Theresa May, apoiante da permanência na consulta popular de 2016, viu-se forçada a anunciar a demissão.
Seguiu-se um longo processo de várias votações até sobrarem dois candidatos finais: Johnson e o seu sucessor nos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, um "remainer" que mudou de posição devido à atitude negocial inflexível demonstrada por Bruxelas.
Para vencer a disputa interna, além do mediatismo granjeado ao longo dos anos, Boris Johnson também beneficiou do facto de hoje o Partido Conservador ser fortemente constituído por elementos que defendem uma rutura com a UE.
Isto ajuda a explicar a vitória com quase o dobro dos votos de Hunt na disputa pela liderança dos conservadores. É que o agora líder dos "tories" foi o único a garantir que o Reino Unido sai da União no dia 31 de outubro, "com ou sem acordo". Já Jeremy Hunt insistiu sempre que o melhor caminho passa por uma solução negociada.
Jornalista anti-UE em Bruxelas
Antes de ser ministro e de ter cogitado suceder a Cameron, Boris Johnson foi "mayor" de Londres (2008-2016, até hoje o único presidente conservador da capital), tendo antes sido deputado (2001-2008).
Mas nos 10 anos anteriores foi jornalista. Começou no Times of London, do qual foi despedido por inventar uma citação, seguindo depois para o Telegraph, tornando-se correspondente do jornal em Bruxelas.
Foi na capital belga, e comunitária, que Johnson granjeou reconhecimento e popularidade, aproveitando para, crítica e ironicamente, apontar o dedo à burocracia europeia e denunciar como esta colocava em causa a soberania britânica.
Os artigos sobre a Europa alimentaram o tradicional euroceticismo do Reino Unido e permitiram a Johnson aproximar-se da então primeira-ministra, a eurocética Margaret Thatcher. Foi então que surgiu o mito da inexistente proibição alegadamente decretada pela UE às bananas direitas.