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António Borges, o liberal irredutível

Economista brilhante, político fracassado, foi uma espécie de "alter ego" de Pedro Passos Coelho no início do actual Governo. António Borges morreu este domingo de doença prolongada.

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"Como é que um cavaquista se torna o "melhor amigo" de Passos Coelho? Assim. Alinhando com Vítor Gaspar. E ganhando uma autonomia dentro de um Governo a que não pertence, mas que assessora. Mesmo que isso irrite muitos do PSD. Borges segue em frente: está habituado a ódios."

 

Assim começava o texto de perfil de António Borges publicado no Verão de 2012, quando a redacção do Negócios o considerou o 30º Mais Poderoso da Economia Portuguesa. Então, o seu ascendente sobre a equipa de Pedro Passos Coelho era notória. "É a iminência parda. O "12º ministro". É o consultor com voz de ministro. É o "cavaquista" que virou amigo de Passos Coelho, mesmo sendo odiado no PSD por muitos "passistas". É um homem-chave neste Governo e na sua relação com poderes privados, na banca, na negociação das PPP, nas privatizações. É António Borges, polémico, liberal e poderoso."

 

Formalmente, António Borges era consultor do Governo. Na prática, tinha "uma autonomia muito grande e uma ligação directa aos poderosos Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar. Essa ligação existe, aliás, dentro do próprio Governo, por exemplo com o Ministério da Economia. Borges faz, assim, parte do "eixo tecnocrático" que domina a política económica deste Governo. Está envolvido nas maiores operações, públicas (como a privatização da ANA, da TAP e da RTP) e mesmo privadas (venda da Cimpor). No sistema financeiro, interveio na capitalização dos bancos com recurso a meios do Estado. E tem voz na Caixa - e sobre a sua estratégia e política de crédito. Este papel tem-lhe valido críticas. Sobretudo a de ter poder de ministro sem responsabilidade de ministro. Mas também do próprio partido que sempre teve relações de amor-ódio com ele: Borges é um liberal e diz o que pensa, semeando ódios vários (a sua colecção de inimizades é impressionante...)."

 

Depois veio a proposta da TSU, no início de Setembro de 2012: secretamente, uma equipa (que terá sido liderada por António Borges e Jorge Braga de Macedo com o primeiro-ministro, ainda hoje não se sabe exactamente como a proposta foi de facto concebida) preparou uma proposta que passava por uma forte descida da taxa social única das empresas, financiada por um forte aumento da mesma taxa suportada pelos trabalhadores. O objectivo era dar um choque de competitividade na economia. Mas a medida gerou uma polémica imediata que foi considerada o ponto de viragem na popularidade do Governo: as ruas encheram-se nas famosas manifestações de 15 de Setembro e até os patrões estiveram contra a medida, que acabou por cair. António Borges chamaria então os patrões de ignorantes, dizendo que chumbariam nas suas aulas de economia.

 

Paulatinamente, a influência de António Borges, Braga de Macedo e Vítor Gaspar, que representavam uma linha de pensamento dentro do Governo, foi perdendo força. A saída de Vítor Gaspar da própria equipa de Passos Coelho marcou definitivamente o afastamento dessa influência.

 

"É um homem impulsivo, jamais seria diplomata. Sendo parecido com Vítor Gaspar nas convicções é o seu oposto na personalidade - não se contém. Foi isso que o levou a bater com a porta no Banco de Portugal e, supõe-se, a sair do FMI. Tem, como o ministro das Finanças, boa imagem externa", escrevia-se aqui há um ano. "Terá tido sonhos de mandar no PSD, há alguns anos, mas nunca lá chegou precisamente por não ser um homem de "aparelho". Mas também pelas frases polémicas, que garantem títulos em entrevistas - politicamente perigosas. Aliás, Borges não gosta nem confia nos jornalistas portugueses, duvida da independência de muitos deles."

 

A sua saída do FMI foi polémica: ele acusaria Lagarde de não ter a força de Strauss-Kahn para se opor ao poderio dos Estados Unidos dentro do Fundo. Coleccionou polémicas dentro do PSD, dentro do Governo, no Banco de Portugal - e sobretudo com o Governo de José Sócrates. O que nunca foi polémico foi a sua qualidade como professor de economia: os seus alunos, incluindo muitos dos gestores de topo portugueses que com ele estudavam em cursos intensivos nos Estados Unidos, nunca lhe pouparam elogios. Nem há um mês, o economista português radicado nos EUA Sérgio Rebelo disse ao Negócios que devia muito da sua carreira à qualidade do ensino em Portugal, listando entre as suas referências precisamente o nome de António Borges.

 

"A relação entre Borges e Passos é recente mas sólida", escrevia-se também. "O perfil liberal de Passos decalca-se de muitas ideias de Borges, como a privatização da Caixa ou o modelo da "ditadura benevolente" de Singapura. Essa relação deu uma força a Borges como nunca teve na economia portuguesa. Resistirá o tecnocrata do Governo às forças políticas do seu partido? Passos decide."

 

A doença de António Borges era conhecida e o seu forte emagrecimento tornava-a visível. Muitos perguntavam o que o movia, por que razão trabalhava ainda tanto junto de Passos Coelho, uma vez que a sua esperança de vida era relativamente reduzida. Talvez fosse exactamente por isso.

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